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Não é nada disso que você está pensando

Dia desses eu estava em uma aula e tive que me apresentar para a turma. Acabei dizendo que sou musicista e compositora. Que legal!, respondeu o professor. Que estilo você toca? E ao dizer rock vi o desconforto em alguns rostos, perceptível mesmo através dos quadradinhos do Google Meet.

Entendi o que aquilo significava e já tratei de emendar a adversativa:
 — Mas não é rock de tiozão bolsonarista, não, viu? Podem ficar tranquilos — E um riso geral irrompeu nos minirrostinhos na tela, nos trazendo de volta o alívio para a sala de aula.

Essa prática da adversativa já tem me permeado há um bom tempo. Sempre me pego prestando contas quando digo que tenho uma banda de rock, antes mesmo das pessoas perguntarem qualquer coisa. Já quero prevenir os possíveis mal-entendidos de acontecerem.

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Morrissey, o autêntico tiozão do rock

Não são referências

O que tenho sentido é isso: medo. Morro de medo de acharem que Phil Anselmo é meu ídolo ou que a minha inspiração para escrever letras em português é o Roger. Tenho medo de pensarem que não misturo música com política, aliás quem esse cara do Pink Floyd pensa que é pra se meter nas questões brasileiras? Tenho pavor de concluírem que sou só mais uma mulher no palco à disposição de uma plateia masculina, ultrapassada e de costas cabeludas.

Porque é isso que está no imaginário popular e tem se agravado seriamente nos últimos anos: a visão de que o roqueiro (eu odeio essa palavra, inclusive) é sempre alguém que parou no tempo, é um gênio incompreendido, um conservador pró-vida, pró-arma, pró-trump, pró-bozo com uma loira gostosa (e, muitas vezes, menor de idade) de enfeite.

Rita Lee, Wanda Jackson, Joan Jett, Rosetta Tharpe, Kim Gordon, Cássia Eller, Donita Sparks, Patti Smith e tantas outras que eu não cansaria de elencar aqui definitivamente não são as primeiras imagens que vêm à cabeça quando digo que tenho uma banda de rock. Mulheres nunca estão no imaginário popular pois são sempre coadjuvantes, nunca protagonistas da narrativa.

Hora de enterrar o rock

E eu não culpo quem faz essa associação imediata. Também estou de saco cheio desse rock misógino, racista, homofóbico (e principalmente lesbofóbico, porque adora fetichizar casais), orgulhoso de ser ultrapassado. Talvez seja por isso que eu goste de chamar meu estilo de garagrunge ou rock menstruado. Acho muito mais apropriado, dissociado da etimologia original que ficou presa a um significado deplorável.

Metaleiro de 45 anos preso nos anos 80

Imagino que seja um pouco difícil ver saídas para esse impasse. Eu sugiro que comecemos, antes de mais nada, pelo enterro do rock. Dar essa história por encerrada antes que piore (nem sei se tem como). Começar a chamar de outra coisa, porque esse slogan de sexo, drogas e rock já deu.

Deixa esse rock pra quem é do rock: os punks ostentação, metaleiros confederados, bolsonaristas fazendo passeata ao som de Cazuza. Isso, deixa essa galera lá. Voltemos nosso olhar a quem realmente está parindo uma nova era musical: mulheres.

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Mulheres que encaram uma jornada tripla pra poder tocar, que não estão no palco pra receberem aprovação de homem algum, que ouvem desaforo de técnicos de som, que são confundidas com a namorada de um dos músicos, que têm suas habilidades diminuídas apenas por serem mulheres. Mas, principalmente, mulheres que são capazes de incendiar o mundo quando juntas.

Mulheres na linha de frente

Somos nós que iremos criar um mundo onde Rogers e Phils e Japinhas serão erradicados, abominados; onde não teremos nossas capacidades reduzidas à nossa aparência; onde poderemos subir num palco sem termos medo de ser destratadas, objetificadas; onde nossas meninas não correrão o risco de ser aliciadas por músicos mais velhos. Porque estaremos cercadas de outras mulheres incríveis que também não serão as coadjuvantes das bandas: serão as protagonistas.

Este é um chamado às mulheres. Se o futuro da música é feminino, precisamos começar a construí-lo agora. Vamos?

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