MELVIN RIBEIRO
Foto: Felipe Diniz

Essa semana a cena do Rio de Janeiro sofreu uma perda gigante e eu perdi um amigo querido. Fabio Kalunga provavelmente rodou mais o Brasil e o mundo como baixista dos Seletores de Frequência do B Negão, mas marcou a vida de muita gente com sua banda, Cabeça.

Eu já estive num show do Ian MacKaye. O criador do Fugazi e do Minor Threat é também um grande pensador sobre cenas locais e sempre tem conselhos a dar. Já o Fabio nunca parou para elaborar demais sobre o assunto, mas fazia tudo com tanta paixão e talento que inspirou um monte de gente. Ele podia não estar fazendo discursos, mas você sempre saía dos shows do Cabeça com vontade de fazer mais.

A primeira vez que vi o Cabeça ao vivo foi nos anos 1990, no apartamento de um amigo no Leblon, noite de sábado. Inacreditável que desse pra tocar alto assim, na hora da novela, mas aconteceu. Eu estava começando minha primeira banda e minha vida mudou no mesmo instante. O som era rápido e sujo, mas ao mesmo tempo convidativo. As letras eram curtas, quase poesia concreta, mas passavam toda a mensagem necessária.

Foto: Leco de Souza

Comprei a demo dois dias depois e ela ganhou muito mais destaque no meu som que quase todos os meus discos. Eu nem sabia que uma demo poderia fazer isso!

O Cabeça desbravou o Rio de Janeiro inteiro – tocava em todo lugar que fosse possível e volta e meia num impossível também. O método em si não era segredo: o Kalunga ia em todos os shows e lugares com a sua fita demo e pedia pra tocar, naquele dia ou da próxima. Difícil mesmo era ser incansável como ele.

Conheci muito dos picos do Rio de Janeiro indo a shows do Cabeça, normalmente em dupla com o Funk Fuckers. E Kalunga ainda estava no Baixo Gávea, no Empório, indo a shows no Garage e trabalhando na Boneyard ou no Studio Casa 3. Nessa época do studio ele aproveitou e gravou logo umas três fitas demo, enormes, com pequenas variações do repertório dos shows.

Lembro também da vez que o Cabeça foi mais adiante e trouxe uma banda de fora do Rio para um show no Garage – era o Popping Tits, de Santos, e sabe-se lá como conseguiram marcar esse show, entre ligações interurbanas e cartas. Fato é que os caras vieram. E nesse intercâmbio a banda começou a agitar fora do Estado também. Era hora.

Não demorou e veio o primeiro CD, o clássico dos clássicos Na Medida do Impossível. Tu Tu Pá, Mundo dos Sem-Noção, Não Pode Mais Ficar Parado, Street no Flamengo é Podre – trilha sonora de quem viu shows underground no Rio dos anos 1990.

https://www.youtube.com/watch?v=9xpqsC1Gfuo

Tudo Isso foi o segundo disco, um bom tempo depois (2002), e onde o som da banda expandiu. Vara Verde e Esteja Bem viraram clássicos.

Depois disso rolou um período de inatividade, o tal “fim” da banda, até que em 2009 eles reapareceram graças à volta do baterista Pedro Schroeter para o Brasil.

Tentei comparecer ao máximo de shows possível naquela sequência, e agora em 2017 peguei o último da série e infelizmente o último de todos, no melhor cenário possível, num evento gratuito na Praça XV, lotado de gente que amava a banda e amava skate.

E agora a gente chora porque um amigo querido se foi. E não acredita que não vai ter mais aquela energia por perto, seja no convívio ou na explosão do palco.

Resta tentar levar a vida com mais afinco, achar tempo pra ir a shows, reencontrar amigos, fazer novos. O som do Cabeça ainda está aí, é só apertar play.

Obrigado pelas lições. Descanse em paz, Mestre!