Kevin Michael “GG Allin” Allin, artista americano. Punk. Ícone intocado pelo mainstream – a não ser, óbvio, para execrá-lo de ser chamado de artista. O homem que parece ter insurgido de uma multidão de pessoas absurdamente normais para ser o estranho, seja lá o que isso signifique.
Nada que o tenha impedido de ter uma carreira prolífica, para dizer o mínimo: com nada menos que oito associações a projetos como The Scumfucs e The Texas Nazis, a reputação de “mais espetacular degenerado da história do rock & roll” (de acordo com o site Allmusic) e “rockstar mais durão do mundo” (segundo o programa documentário That’s tough!) e uma série de problemas com a polícia. O homem conseguiu, numa estrada que durou apenas 36 anos, se tornar o cara mais odiado do underground.
Allin, no entanto, foi basicamente o começo do nefasto nicho que se iniciaria com a seita punk underground. A tendência a destrutividade é inerente a um movimento rebelde como o punk rock, porém num mundo onde os Ramones, politizados e (à sua maneira) comportados, se tornaram ídolos, qualquer tipo de manifestação mais radical é vista com olhos tortos.
Sex Pistols foi assim, e apesar do (pouquíssimo) talento que tinha para música – aqui me refiro em especial a Sid Vicious e seu eterno mi no baixo – conseguiram fazer uma barulheira que viria a mobilizar uma juventude arrasada com a Segunda Guerra e com a então em curso Guerra Fria, não apenas no âmbito político, mas social e psicológico. A necessidade de expressar sua revolta, sua angústia para com o mundo tornava-se cada vez mais extrema, e na explosão de todas estas emoções surgem os estilos musicais mais avassaladores.
Costumeiramente, atribui-se o título de estilo mais extremo de música ao Black Metal. Este teve seu auge nos anos 1990, muito embora seja um movimento da década anterior. Foi em 1992 que o mundo conheceu Immortal, Burzum, Darkthrone e Emperor, muito embora o Mayhem já tivesse lançado o eternamente clássico Deathcrush cinco anos antes.
A transição dos anos 1980 para os anos 1990 foi decisiva na sonoridade do que viria a ser chamado por alguns de “Black Metal Norueguês” ou “Segunda Onda do Black Metal”: a desvinculação do gênero do Death Metal comercial, a definição de novos subgêneros (Bathory e seu Viking Metal, por exemplo) e a reformulação do som para algo que seria abordado ou de forma extremamente crua e inescrupulosa (como é possível notar em Gorgoroth), ou de forma atmosférica, como é visto nos álbuns posteriores do Burzum, e também, mais recentemente, no fantástico The Satanist da polonesa Behemoth.
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Aos ouvidos de alguém desacostumado a cavar as minas da loucura humana, o mais primitivo Black Metal (como a introdução do supracitado Deathcrush) pode soar suficientemente maligno. No entanto, o que se vê desenvolver a partir dos anos 2000 é um movimento mais extremo – em termos – que o próprio estilo mais extremo da história.
O fenômeno core, inicialmente associado a bandas que utilizam do breakdown e do vocal gritado, em sua atual evolução, envolve muito mais que apenas blast beats e paredes de distorção. É muito mais do que isso. É como se a indiferença de GG Allin para com toda a moral tivesse encontrado, finalmente, o equipamento necessário para ser expressa em toda a sua nojeira e toda a escatologia.
Pego como exemplo a brutal banda de hardcore punk/grindcore NAILS, que em junho de 2016 lançou o LP You Will Never Be One of Us (player abaixo): um massacre de guitarras, uma bateria que soa como uma metralhadora, e temas líricos que vão do completo niilismo – ou seja, a negação completa de sentido OU valor para a vida -, à guerra, a morte, a tortura.
Agora chego ao ponto final deste texto. Não com NAILS, mas algo que transcende sua natureza carnal e víscera.
Qualquer um que se preze como um bom minerador de música extrema, desafiante, e que tenha estômago, deve ouvir uma vez na vida um dos projetos de Maurice “Mories” de Jong, o perturbado cérebro por trás de Gnaw Their Tongues. Sua música é torturante.
Mories pega elementos utilizados na música ambiente, noise rock, shoegaze, música industrial, black metal, grindcore/goregrind e transforma isto tudo numa sopa de morte, destruição, absorção e crueldade. Nenhum de seus projetos, repito, nenhum é de natureza normal e raramente segue estruturas comuns de som. São composições que extrapolam os limites da musicalidade e adentram o mundo da imaginação. Deixarei alguns links abaixo para os que gostam de música desafiadora/querem testar seus próprios limites.
https://gnawtheirtongues.bandcamp.com/album/abyss-of-longing-throats
https://gnawtheirtongues.bandcamp.com/album/constructing-enochian-temples-2008-free
https://gnawtheirtongues.bandcamp.com/album/eschatological-scatology-2009
Assim como acabam os trabalhos de Mories, súbitos e violentos, acabo este texto.
