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O universo intimista de Cat Power

A década de 1990 é campeã quando o tema é pautado em artistas cujo repertório beira o sofrimento e a vontade de se jogar no meio da avenida. Pode-se dizer, sem rodeios, que foi a década onde a melancolia e a angústia tornaram-se o principal foco da grande maioria dos jovens artistas que tomavam conta do mainstream. Grunge, shoegaze, trip hop e qualquer cria do Jeff Buckley ou do Radiohead são a verdadeira síntese de toda essa atmosfera introspectiva.

Foi nessa onda que surfou Chan Marshall – ou Cat Power – quando gravou seus primeiros discos, ali na meiuca da década. Afogada no alcoolismo, a cantora se encontrou na música após abandonar o ensino médio e mudar-se para Nova York. Seu estilo introvertido – e até um pouco atrapalhado – era um diferencial curioso em meio a cena de Manhattan (que era grande, mas já não vivia seus dias de glória no mercado fonográfico). Um dos que ficaram encantados com o talento da cantora foi Steve Shelly, baterista do Sonic Youth, que seria chamado para produzir seus trabalhos.

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Após duas tentativas de discos que mais parecem fitas demo, lançou aquele que seria o cartão de visitas para o seu mundo esquisito. What Would Community Think, lançado em 1996, potencializa todos os pesadelos vividos pela cantora em canções simplórias e claustrofóbicas. A pouquíssima variação de acordes, fomentados por uma proposta pouco melódica e letras com visões pessimistas sobre a vida, torna dele um álbum mais pesado do que suas influências – do folk ao country – costumam aparentar para o ouvinte.

O single Nude As The News é o grande destaque do trabalho. Apesar de torta, a melodia é martelada na sua cabeça do início ao fim de maneira hipnótica. Fica aparente a influência da PJ Harvey, que despontava do outro lado do país com Rid Of Me. O que diferencia, no caso, é o universo muito particular de Marshall, que parece te convidar pra uma volta nos becos mais sombrios de Nova Iorque a cada balbucio desafinado. Um bom retrato Lo-Fi, que nos remete, até mesmo, aos últimos e cadavéricos anos de Nick Drake na música.

O verdadeiro carro chefe de sua discografia, no entanto, chegaria apenas dois anos depois. Moon Pix, diferente de seu antecessor, traria traços muito melódicos e potencialmente populares, com canções mais densas, mergulháveis e nostálgicas – pra não dizer retrô. As guitarras se tornam mais reverberadas, assim como a voz de Marshall, que parece mais suave. A crueza ainda existe, embora seja usada de forma mais pretensiosa e a favor da construção sonora de cada canção.

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Faixas como American Flag mostram uma Cat Power mais misteriosa do que nunca, enquanto Say nos recorda das faixas mais introspectivas do Big Star. Os novaiorquinos Patti Smith e Lou Reed também aparecem nas influências do disco, dada a condução épica e lírica com que algumas faixas se sustentam em cima do folk. Mas não se engane: o disco, em momento algum, beira à grandiosidade. A simplicidade ainda é o que dá as cartas do jogo, principalmente em momentos como You May Know Him, conduzidas por voz e violão.

Líricamente e emocionalmente falando, é um ícone para aqueles que se encontram com um coração partido. Todas as canções são muito sensíveis e, por vezes, podem funcionar como um soco na alma daqueles que se encontram fragilizados. É a melancolia em sua melhor forma. Metal Heart é praticamente um hino de tristonhos desiludidos, enquanto Moonshiner enterra qualquer um sem grandes dificuldades.

A discografia da cantora não para por aí. Nos anos 2000 ainda ocorreria uma mudança de sonoridade considerável, mas não acho necessário comentar por aqui. Para quem gostar de algum dos dois álbuns, recomendo o excelente You Are Free, de 2003. Um excelente final de semana pra todo mundo.

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