O dia 28 de agosto de 2009 ficou marcado de forma amarga para os fãs de uma das maiores bandas de rock dos últimos 25 anos. Foi nesse dia que os irmãos Liam e Noel Gallagher protagonizaram uma de suas maiores brigas, que culminou no fim do Oasis, horas antes de subir ao palco do festival Rock en Seine, em Paris.
Nos últimos oito anos, os dois trilharam caminhos bem distintos. Enquanto Noel, o mais velho, hoje com 50 anos, consolidou uma carreira solo, Liam, com 45, patinou bastante com o Beady Eye.
Uma característica que diferenciou bastante os irmãos nesse período foi a forma como eles lidavam com artistas mais pop. Noel virou o “melhor amigo” do U2 e passou a elogiar Damon Albarn e o Blur, grandes rivais do Oasis no auge das duas bandas, nos anos 1990. Liam, por outro lado, atacou todas as parcerias e amizades do seu irmão mais velho.
Acelera o tempo e chegamos em 2017. Apaixonados por sua cidade natal, Manchester, os irmãos Gallagher estiveram próximos de um reencontro no palco, garantiram algumas publicações especializadas no Reino Unido.
Em 4 de junho, a cantora pop norte-americana Ariana Grande promoveu um show beneficente em prol das vítimas do atentado terrorista que ocorreu no fim de sua apresentação em Manchester, em 22 de maio. Como o fato mexeu muito com os orgulhosos filhos de Manchester, o possível reencontro ganhou força.
Noel, o mais pop, não aceitou cantar no evento. Liam, então, surpreendeu o mundo em dois atos: Topou participar do evento de Ariana Grande e dividiu o palco com Chris Martin e a turma do Coldplay, banda que ele sempre criticou.
Após rever algumas atitudes, Liam parecia com o caminho livre para crescer. Já sem o Beady Eye, o vocalista fez o mesmo que o seu irmão, usou o próprio nome como marca e se lançou como artista solo.
As You Are, seu primeiro disco solo, lançado em 6 de outubro, conquistou grandes feitos nos principais mercados do mundo, como Reino Unido e Estados Unidos. Entre as conquistas está o título de disco de vinil mais vendido dos últimos 20 anos. Além disso, chegou a figurar no primeiro lugar da parada britânica, com um número de vendas superior a todos outros 19 artistas do Top 20 juntos.
Antes mesmo do disco ser lançado, Liam já sabia que não poderia vacilar no mercado. Um novo fracasso poderia enterrar suas pretensões. “Eu me aposento da música se esse disco não vingar”, declarou.
Não à toa, ele convocou alguns songwriters de peso para ajudar na composição do primeiro single, Wall of Glass. Nessa turma está Greg Kurstin, co-autor de sucessos como Hello (Adele), True Love (Pink), Alfie (Lily Allen) e Burn (Ellie Goulding), além de produtor do novo disco do Foo Fighters, Concrete and Gold.
Ficou mais fácil de entender o motivo de Liam se apresentar com o Coldplay em junho, mesmo período do lançamento de Wall of Glass?
A amizade com Kurstin mostrou que Liam teria que ser mais maleável para sobreviver. E ele entendeu o recado. Um dos momentos mais marcantes dessa nova fase foi sua participação em um show do Foo Fighters, no início de outubro, na Califórnia.
Depois de passar várias horas bebendo e conversando com os amigos e a família, Liam subiu ao palco para cantar o clássico Come Together, dos Beatles, mas esqueceu a letra e garantiu um momento bem divertido.
“Eu amo o Liam Gallagher. No começo ele tinha concordado, mas depois ele falou que a sua voz estava zoada. Depois, ele decidiu fazer, e o Dave só falou ‘O Liam tá vindo’ e então ele entrou no palco como só ele e o Mr. Jefferson conseguem. Ele estava com esse moletom de capuz, seus óculos e então ele me deu um beijo na boca, foi pra lá e deu uma de Liam Gallagher”, comentou Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters, em uma entrevista.
Mas voltando ao disco de estreia de Liam, Chinatown, For What It’s Worth, Greedy Soul e Come Back to Me, os singles que vieram na sequência, não tiveram o mesmo desempenho impactante de Wall of Glass, mas o jogo já estava ganho.
Liam Gallagher é uma das atrações do terceiro dia do Lollapalooza Brasil, em 25 de março, no Autódromo de Interlagos. Lá, o público poderá acompanhar essa evolução de perto.
A trilha de Noel
O sucesso de Liam incomodou Noel. Acostumado a tratar o irmão como um coitado, o músico decidiu atacar. Entre suas inúmeras acusações, ele provocou ao afirmar que o irmão não sabe compor, sempre precisou de um songwritter. Sobrou até para o Foo Fighters, banda que segundo Noel tem “um vocalista que só sabe gritar”.
Com os ataques cada vez mais pesados e Liam ganhando o apoio dos fãs do Oasis, Noel resolveu mudar o próprio estilo. Seu novo disco, Who Built the Moon?, o terceiro de estúdio como artista solo, lançado na última sexta-feira, tem uma sonoridade mais pop. “Espero que os fãs do Oasis não gostem do disco. Eu não ligo para eles”, declarou em entrevista ao jornal Folha de S Paulo.
Ligando ou não para eles, Noel ainda mantém uma boa base de admiradores entre os fãs do Oasis. Apesar de um trabalho mais dançante, muitos deles aprovaram o disco.
De fato, o novo trabalho de Noel, que sucede os ótimos Noel Gallagher’s High Flying Birds (2011) e Chasing Yesterday (2015), contém ótimas canções e singles muito bem escolhidos, como Holy Mountain e It’s a Beautiful World.
Mesmo que a sonoridade se distancie um pouco do universo do Oasis, Noel Gallagher ainda mantém alguns parceiros de longa data como colaboradores, casos do Paul Weller (ex-The Jam) e Johnny Marr (ex-The Smiths), por exemplo, que marcam presença em Holy Mountain e If Love Is the Law, respectivamente.
Não é nem preciso dizer que Liam já deu uma detonada de leve nos convidados de Noel, certo? Sobrou até para a francesa Charlotte Marionneau, que tocou tesoura (isso mesmo!) na primeira apresentação de She Taught Me How to Fly, em um programa do Jools Holland, no fim de outubro.
“Vou colocar uma pessoa apontando um lápis em meu show. Ou talvez colocar um álbum de figurinhas, tipo, com alguém colando as figurinhas. Eu acho isso muito estranho, essa coisa da tesoura. Se você tem 20 anos e comeu uns cogumelos, tudo bem, mas o cara tem 50 anos, sabe?”, disse Liam em entrevista para a BBC.
Noel não deixou por menos e respondeu em entrevista para o site i-D Vice. “Eu disse a ela ‘você pode tocar um pandeiro?’, ela disse ‘eu não posso tocar um pandeiro.’ Eu disse ‘Oh certo. Chocalho?’ ‘Não. Eu posso tocar uma tesoura.’ Ela trouxe e eu estava olhando pro meu baixista dizendo, se isso não é a melhor coisa que você já viu, então me diga o que é. Uma moça francesa usando capa tocando uma tesoura? Não pode ficar melhor que isso, pode?”, declarou.
Recentemente, Noel veio ao Brasil, quando abriu os shows da banda irlandesa U2 no Estádio do Morumbi, em São Paulo. Boa parte do público queria apenas ouvir as canções do Oasis e ele não abriu mão delas. Das 11 canções do repertório, cinco foram da antiga banda, inclusive Don’t Look Back in Anger, que virou um hino dos britânicos diante do terror em Manchester.
Em várias entrevistas concedidas por aqui, Noel aproveitou para ironizar bastante o trabalho do seu irmão, tal como fez no The Noite com Danilo Gentili, do SBT.