LETTY
Eu devia ter uns 15 anos quando um professor me recomendou um livro chamado O Escafandro e a Borboleta, que conta a história de um maluco que ficou tetraplégico e inventou uma maneira mais maluca ainda de se comunicar com as pessoas através do olhar.
Nunca li o livro ou assisti ao filme – tenho vontade e preguiça, mas aquela imagem de alguém preso no próprio corpo tentando se fazer vivo ao mundo nunca me saiu da cabeça. Mais do que isso, “escafandro” entrou para a lista de palavras preferidas e deliciosas de pronunciar; densa e enferrujada, como os tais assim eram antigamente, feitos de couro e graxa acompanhados de um capacete que devia pesar mais do que a vida para além da superfície.
Uma frustração me acompanha desde então: jamais usei essa palavra, talvez mal saiba como escrevê-la à mão. Não precisei de um escafandro para um trabalho de história, um vestibular, uma mensagem de texto ou um poema.
Não até ouvir o Dive da Miêta, lançado em outubro passado. Tá aí outra palavra que entrou pra lista de preferidas e deliciosas de se pronunciar; Miêta.
Dive é um álbum para quem tem medo do mar e mesmo assim insiste em ir para praia todo final de ano. E quando chega na beira e vê que, poxa vida, o mar não é tão tenebroso assim, avança um tanto, e mais um tanto, e mais um tanto, até uma alga maligna enroscar no seu pé e te fazer voltar correndo pra areia. E a única coisa que passa pela sua cabeça é “eu não deveria ter entrado”.
Foi essa a primeira frase que pensei logo na primeira faixa, Messenger Bling. Menina, isso não vai prestar, vai com calma, sem tirar conclusões adiantadas. Nem precisou. No primeiro mergulho com o escafandro soterrando meu corpo dentro desse universo sonoro cavernoso e onírico, eu decidi que ia tirar o capacete e abrir os olhos mesmo que o sal queimasse.
“Respiro e persigo uma luz de outras vidas. E ainda que as janelas se fechem, meu pai, é certo que amanhece.” Hilda Hilst
Queimou, né? Toma. Aí vêm as próximas faixas e os olhos já estão habituados à visão turva e ao sal (o sal cura, não nos esqueçamos), e quando achei que tudo fosse ficar bem, o bend do primeiro segundo de Pet anuncia que a melhor decisão que eu fiz na vida foi despir o escafandro e explorar a profundidade garageira marinha sem temer a pressão nos ouvidos.
E assim seguiu, onda levando biquíni atrás de onda levando brinco e óculos escuros. Bebendo água pelo nariz.
Enfim saí exausta, quase com vontade de chorar, mas torcendo para me recuperar logo e poder voltar pro mar de novo.
Não foi fácil. É como jogar o jogo mais difícil do seu videogame sabendo que você só vai apanhar e gastar os poderes em vão. Mas o mergulho vale a pena, vale o medo e vale os olhos vidrados; salgados.
Apenas um aviso aos navegantes: contra o mar não se vence batalha. Contra o Dive também não.