JOSÉ LUIZ ARAÚJO
É fácil localizar a cidade no mapa brasileiro, mas o nome Robertinho do Recife, de 63 anos, não traduz o que ele artisticamente representa. Correto é usar o Mapa Mundi. Ele fez parte da Jovem Guarda, tocou nos EUA, recebeu convite da internacionalmente famosa banda Chicago, e produziu 300 discos de feras da MPB.
Mas é o próprio trabalho que mostra nesta quinta-feira, às 21h, no Sesc (Rua Conselheiro Ribas, 136, ingresso de R$ 5,00 a R$ 17,00). São as faixas do LP Metalmania, de 1984 (com participação do guitarrista santista Milton Medusa). Oportunidade ímpar já que foram 29 longos anos afastado dos palcos.
“Conheci o Milton no Facebook. Ele disse que era meu fã e tenho mania de, em show, chamar guitarristas da plateia. Ele subiu e virou um freguês, porque toca muito solto e tem uma enorme técnica. E também passou a ajudar na produção”.
Apresentação que Robertinho descreve como remake, não revival, porque nas músicas de outras bandas não são usados os arranjos originais. “Fazemos da nossa forma. Li no jornal de Santos uma nota que dizia show dançante. Foi você? (risos). Traduziu perfeitamente. Não é metal pesado”.
Ele terá ao lado Lucky Lemisnki (vocal, filho do poeta Paulo), Sergio Nassif (bateria) e Alana Alberg (baixo). Lucky é da formação original da Metalmania. Alana vai estrear. A presença feminina dá qualidade à performance no palco. Trabalhar com mulher é difícil. São como a lua: passam por fases”.
Após 29 anos sem o palco (voltou há dois, na abertura do show da Judas Priest, em São Paulo), tudo parece novidade. “Parei porque minha vida estava do avesso. Duas separações (muito assédio feminino), fama, loucura. E infartei. Produzir discos me manteve no meio. O estúdio é a melhor cadeia (cela) produtiva que existe”.
Robertinho foi produtor dos maiores nomes. Com Zé Ramalho foram 16 discos de ouro. Fagner, Hermeto Paschoal, Sivuca, Elba Ramalho, Lenine, Luiz Melodia, Dominguinhos, Zeca Baleiro, Moraes Moreira, Lulu Santos, Martinho da Vila, Marisa Monte, Gal, Wagner Tiso… Sua carteira foi de A a Z.
“Sou guitarrista de heavy metal, mas sei tocar todos estilos. O curioso é que falam que tudo veio fácil. Trabalhei demais, lutei. Guitarrista de metal do Nordeste e letra em português! Havia muito preconceito. Queriam que eu fosse do frevo”.
“Vou me divertir um pouco”
O retorno, conta ele, teve muito a ver com a doença. “Como não morri, pensei: ‘vou me divertir um pouco’. Aqui e ali as pessoas foram gostando e pedindo mais. Vi que eu estava me divertindo muito e elas, também. Tinha virado festa. Tenho condecorações no peito (seis stents). Se me cuido? Ontem esqueci de tomar o medicamento. Mas minha cervejinha e o uísque não dispenso”.
A função do produtor, explica Robertinho, é fazer com que tudo saia bem. “Não os escolhi. Eles me escolheram. Sabe por quê? Confiança. Sabem que vou acrescentar algo mais”.
Ensina o caminho das pedras. “Produtor trabalha na essência do artista. Não pode modificá-la. Eu me adapto a ela, não o contrário. Nada de fazer sertanejo porque é moda. Se não concordo, digo. Mas a palavra final é sempre do artista”.
Por uma questão bem simples, avisa: é o artista na capa, na mídia. A responsabilidade pelo sucesso ou fracasso é muito mais dele. “Produtor não pode aparecer, ficar sob os holofotes. E têm os que adoram”.
Ninguém sabe. Ninguém mais o viu. Entre os artistas que passaram por suas mãos, está Belchior. Produziu um disco, que saiu e não saiu, com os cearenses: ele, Amelinha e Ednardo. O trio foi ao Programa do Jô, quebrou o maior pau, ficou sem se falar e a gravadora mandou recolher o disco. “Belchior é um talento absurdo. Um dos maiores poetas do Brasil. Artista de músicas maravilhosas. Uma pena esse silêncio. Parece que ele morreu”.
Produzir discos significa, como se vê acima, lidar com egos inflados. “A gente faz papel de psicólogo. Às vezes, de psiquiatra, porque alguns são loucos (risos). O cara vai ao show e tem milhares de fãs. No hotel está sozinho no quarto. Tem fama, fortuna, mas é privado de várias coisas em público: ir ao cinema, restaurante. Não sabe se quem está ao redor é pelo que ele é ou tem. Vive de altos e baixos emocionais. Isso vai pirando. Sei bem como é”.
Por ser uma pessoa pública, Robertinho lembra que demora anos para um artista construir uma carreira. E uma declaração infeliz para derrubá-la. Tem gente famosa e amiga que vive uma enorme rejeição. Ainda mais em um País bipolar: sim ou não, certo, errado… Principalmente na política. Besteira! Político de esquerda vira de direita e vice-versa. Vejo isso há décadas. As amizades terminam, mas as alianças espúrias continuam normalmente”.
O artista pode ter posição. É um direito pessoal e democrático, mas a sociedade ainda não está pronta para conviver com uma opinião que não vá ao encontro da sua. “Ficar em silêncio é uma forma de se posicionar. Mas se falar algo, saiba que terá consequência. E ela deve ser assumida. É o preço da fama. O ônus por ser formador de opinião”.
Ao falar sobre a famosa Banda Chicago, Robertinho explica o motivo de não ter aceitado o convite. “Na verdade, era para uma audição, um teste, mas eu acho que não seria problema. Eu estava no Rio e tive que ir urgentemente para o Recife. Meu filho de nove meses tinha falecido. Não tive cabeça. Aliás, resolvi abandonar tudo. Quem me fez mudar de ideia foi o Fagner, quando fez Revelação”.
Entre os milhares de nomes que fazem parte da MPB, Robertinho fala que 50%, à época, foram fabricados pela mídia, pelo forte apoio político e pelas gravadoras. Não valia a competência, mas quem dava retorno comercial ou prestígio político. Muitas autoridades viviam penduradas em artistas. E vice-versa.
“Muita gente sem talento, de tanto tentar, se deu bem. Outras, com muito, não chegaram por falta desse acesso. Não vou citar os nomes”.
Feliz por retornar a Santos, ele conta sua primeira relação com a Cidade. “Eu tinha 13 anos, nunca havia saído de Recife, e fui convidado para tocar no navio Rosa da Fonseca. Meu pai pediu ao comandante que cuidasse de mim, porque eu já era maluco. Na volta da viagem, o navio não pôde atracar na minha cidade e foi direto para Santos”.
O menino desceu e ficou dois dias perambulando por conta própria. “O Porto, o Centro, as luzes das boates (não me deixavam entrar)… Fui para São Paulo, onde eu tinha um tio. Quando o Roberto Carlos fez a música, gritei: ‘eu conheço essa estrada’. Foi como se eu tivesse ido pela primeira vez à América”’.
1 Comment
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Antonio Marcos De Sousa
28 de outubro de 2016 at 00:06
Excelente show hoje,ganhei uma palheta desse Mestre