Sou um fã de Joy Division. Ian Curtis, na minha singela opinião, era um artista à frente do seu tempo. Uma pena haver contribuído por tão pouco tempo, antes de sua morte precoce em 1980, aos 24 anos. No espírito depressivo dos vocais emotivos e retumbantes, algum tempo atrás, me vi a procurar pela próxima Joy Division. Crucifiquem-me os fãs agora, mas acredito que nenhuma banda jamais termina o movimento que iniciou, independentemente de quão boa seja – temos os Melvins para provar que não era só o Nirvana que sabia fazer grunge.
A questão é que Ian criou uma atmosfera tão única com suas letras sobre desolação, associadas a uma performance de instrumentos tão dramática e obscura, que, após uns poucos minutos de busca, julguei impossível haver uma banda (atual) que pudesse se igualar aos músicos que deram de presente ao mundo o inigualável Unknown Pleasures. E foi exatamente neste momento que, confundindo a arte de capa com a da canadense Dan Jefferies, cliquei em um álbum autointitulado da banda russa Utro (no cirílico, Утро). Utro, em russo, significa ‘manhã’; o som da banda, no entanto, me faz pensar num bar decadente onde há alguns frequentadores vestindo roupas de couro e óculos escuros, mesmo sendo 11:30 da noite.
A primeira faixa de Utro é monótona. Num excelente sentido. Dom (cirílico Дом, ‘casa’) não possui refrão, apenas versos, e um baixo macabro. É o que prende o ouvinte atormentado. Equipara-se à monotonia de alguma coisa que a californiana Om produziria, porém sem o lado místico – ou devo dizer emaconhado? – e talvez tenha uma pegada muito mais obscura que Joy Division. O restante das faixas do álbum segue a mesma receita, sem muitos refrões. A mais obscura, Portret (cirílico Портрет, ‘retrato’) é um pesadelo de linhas de baixo, guitarra dissonante, reverberação e progressão quase demoníaca, ao maior estilo Swans.
Indo mais a fundo nas pesquisas, me deparei com outra banda russa, quase tão obscura quanto Utro, porém com letras em inglês e mais refrões, além de uma similaridade muito maior com Joy Division. Novamente o enfoque da música está no baixo e na bateria, com vocais esporádicos e bastante sombrios. Motorama é, na verdade, um projeto paralelo da Utro. A diferença entre o som dos dois projetos talvez seja nula, pois eles divergem muito mais no sentido de temática e liricismo do que de instrumentação – Utro, de um lado, cantando versos nostálgicos e bucólicos, Motorama de outro, com letras sobre amores impossíveis e platônicos.
A Rússia não nos presenteia apenas com escuridão: há também bandas no mesmo estilo post-punk com uma pegada muito mais próxima de Oberhofer, com mais energia e guitarras, ritmos mais dançantes. Falo de Brandenburg, em especial de seu The Foreign Lies, de 2016. Sentando entre os tronos da sueca Magna Carta Cartel (MCC) e da inglesa Bauhaus, os Brandenburg trazem em seu som uma presença grande da guitarra (aguda e reverberada) e uma bateria mais rápida do que as das bandas citadas acima. O vocal, por algum motivo, lembra os de David Gold (RIP!) da canadense Woods of Ypres, especificamente na dramática I Was Buried in Mount Pleasant Cemetery e na quase-fúnebre Finality.
Sombrio ou mais ensolarado, o som russo merece nossa atenção. Além de historicamente fascinante, o país do eterno inverno trás consigo um movimento musical extremamente diversificado e vasto. Não é justo que conheçamos apenas T.A.T.u. e Vitas, pois nem os russos aguentam mais essas duas [peças].