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Souto MC: em Ritual, rapper traz muitas mensagens importantes

Diretamente de São Paulo, Souto MC apresenta Ritual, seu primeiro álbum com pouca influência dos centro urbanos. Seu rap vem resgatar as raízes, deixar o entendimento que a identidade indígena será preservada, que ela é parte e uma continuidade de seus ancestrais.

Presente no trabalho se encontra a regionalidade caipira, batidas de instrumentos percussivos e toda a mistura entre povos indígenas e negros. Elementos do samba, tanto admirado pela rapper, também aparecem no trabalho. 

Primeiros passos

Mas antes, é bom dar uma recapitulada no trabalho da artista para entender os passos até a construção desse álbum. A primeira vez que ouvi uma música da Souto foi em 2016, com Psicosouto (2015) e sua participação em Machocídio (2016).

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Da época, já é perceptível que a artista tem um diferencial no flow e nas letras. O machismo era algo muito retratado em suas composições e ouvi-las dava aquela sensação de empoderamento feminino, várias punchlines para as mulheres se inspirar.

Nesse álbum Souto retornou com outro propósito e muito mais madura: se posicionar e se responsabilizar pela preservação da população indígena no País.

Em Mambo e Selena (2018), mesmo com ciência de suas raízes, seu rap ainda se associa às composições urbanas que estamos acostumados. Isso tem um rompimento em Ressurreição, lançada neste ano.

As letras continuam muito bem traçadas, o tempo das produções continua “curto”, os sons da Souto têm essa característica de parecer que você piscou e ele acabou, mas ao mesmo tempo você tomou várias punchlines na cara. Mas o ritmo, o assunto é tudo sobre a identidade indígena. E aí ela dá um recado com o refrão de final…

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“Leoas rugem e nunca fogem. Vozes que surgem cada vez mais forte. Vida morte, morrer não é opção e as que se foram canto para a ressurreição” Souto MC

Álbum

E o canto para a Ressurreição vem em forma de álbum: Ritual, nas ruas desde o dia 6 de dezembro, lançado pela Natura Musical. Para fechar a década, ela deixa bem claro quem ela representa no Brasil. De onde ela vem e o que ela vai preservar com sua arte. Tudo aquilo que o homem branco tirou de seu povo será retomado.

A primeira música, que intitula o álbum, é, na verdade, dizeres de Pedro Net, pai da rapper que abre o disco com uma poesia. Ele, assim como ela, é ascendente do povo Kariri. 

“Dentro de cada canto uirapuru. Existe o pedaço de um coração tabajara, pataxó e xucuru. Dentro de cada tronco forte de Sapucaia e árvores jatobá. Existe a força de um tore kariri, tikuna, bororo e guarani. Dentro de cada segredo e mistério da Jurema estamos nós. Somos o plano dos encantados e de Badzé que deu certo.  O caminho que nos foi deixado, será seguido. E nele será plantado a força de uma raiz pra que outros troncos fortes sejam erguidos. É o resgate de tudo que nos foi roubado e negado”.Souto MC

Caça e Caçadora

Em seguida, a voz de Souto contempla a faixa Caça e Caçadora, com beat de muita sonoridade indígena. E achei essa composição genial. É sobre dualidade, dilema interno, aquela crise de identidade que pode ser interpretada tanto do ponto de vista subjetivo como também pensada pelo olhar da miscigenação.

Do tipo: ter traços físicos que lembra os colonizadores, morar em cidade quando os seus descendentes estão lutando pela demarcação de terra. É um desabafo também, afirmação ao mesmo tempo em que parece confusão. Arrisco dizer que podem ser pensamentos registrados em momentos do processo de se reconhecer enquanto ascendente do povo indígena e tomar essa luta como sua. Se liga no trecho: 

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“Em meio ao asfalto, resgatar nossas raízes.  E gritar que os meus resistem. Almas livres que um dia alguém prendeu. Me defendendo e sendo minha acusadora. Na minha cabeça ecoa: ‘você não passa de uma farsa’. Enquanto tento ser minha intercessora. Eu sou minha própria agressora, querendo só voltar pra casa. Isso não passa, e eu olho no espelho. Vejo como me assemelho ao monstro e do monstro sou criadora. Minha própria dádiva e da dívida, sou cobradora. Minha própria usurpadora, sou minha caça e caçadora”Souto MC

Souto MC e as participações especiais

Rezo tem a participação de Rodrigo Ogi e um flow que parece crescer a cada instante. Retorno manda um papo reto. “Quanto tempo de nós foi tirado? Quanto tudo que é nosso é negado? Anos após ano tentaram. Mas olha pra nós, todos retornaram.

E avisa “Cocar não é enfeite… Não deixamos de ser o que somos por causa de um celular. Dispenso elogio exótica. Sem tempo pra ser didática”. 

Poente é uma canção de amor bem calma com refrão cantado por Jean Tassy. A música é linda e ainda tem aquela frase só para dar uma lembrada na sociedade. “Ser sua não é sentido de posse”. 

Reconquista tem batida bem dançante e prega honrar os ancestrais. “Somos a história e ninguém vai esquecer”.

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Logo em seguida, acompanhando esse ritmo quase festivo, Festa e Fartura com feat Bia Ferreira e Kunumi MC (rapper de origem Guarani) traz o funk com as influências dos instrumentos indígenas. A alegria contida na música é explicada pela frase: “sorrir também é resistir”. 

Para fechar, Altamira (composição de Souto e Giovani Felizate) muda completamente o clima. Um triste e real relato do que aconteceu e ainda acontece com o povo indígena “O tempo fechou na mata. A caça não sucumbiu. Zuniu bala de prata. Mais um curumim sumiu”. 

As músicas levam a assinatura dos produtores musicais Pedro Turra e Rafael Campanini do VERSO. O trabalho fonográfico é da produtora de áudio A-Gandaia e os beats foram produzidos por Iuri Rio Branco e Ganga Prod.

Ponto de vista

Ver essa produção da artista me deixou completamente emocionada, porque a identidade, o reconhecimento e a afirmação de pertencer a um povo em um País que insiste em pregar o mito da Democracia Racial significa se compreender muito mais, sua família, bem como a sociedade.

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Não ser branco no Brasil é questionar diversas situações, se sentir perdido, não pertencente, em meio a um limbo identitário, por vezes a própria “farsa” como classificou Souto em Caça e Caçadora. Mas quando você entende, tudo fica mais claro e os acontecimentos tem outro peso: o da realidade. E é importante ter representantes dessas identidades.

Assim como parece haver um levante para o reconhecimento e afirmação da identidade do povo negro atualmente, seria interessante presenciar essa busca da identidade por pessoas com ascendência indígena, que não se encaixam nessa binaridade do branco ou negro.

Falo isso porque meu trabalho de conclusão de curso teve como tema a pergunta: por que a pessoa parda não se reconhece como negra no Brasil? E lembrando dos relatos dos entrevistados, vi muito deles nas letras da Souto.

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