O que você está procurando?

Geral

Swans: barulho como catarse

Michael Gira talvez seja uma das figuras mais interessantes da música underground. Não apenas por seus trejeitos, as acusações de espancar fãs, ou mesmo a persistência de, aos 63, ser o frontman de uma das bandas mais desafiadoras e (ainda assim) duradouras dos últimos anos; Gira também é alvo de profundo interesse por sua capacidade de criar minuciosas composições. Minuciosas, gigantescas, grandiosas, catárticas composições.

No início dos anos 1980, um burburinho na cena underground de Nova York, acompanhando a insurgência do movimento no wave e a explosão do post-punk, deu início ao que ficaria conhecido como Swans: um projeto do cantor, compositor e multi-instrumentista Michael Gira. A banda desde o início foi caótica, trazendo em seu som a irreverência e a tensão do post-punk e a garra do blues, os tempos complexos e a instrumentação, em sua majoritária parcela, derivada do jazz. Os lançamentos inicias dos Swans já foram descritos de muitas formas: rock experimental, noise rockpost-punk… Visto de longe, no entanto, é possível dizer que trata-se de um heavy metal num tempo que se aproxima daquele reminiscente do funeral doom.

Continua depois da publicidade

Com a disparada de sucesso dos Swans, Gira se viu em constante conflito com seus interesses e os interesses dos fãs, que não viam o progressivo “aumento do volume” da música como uma evolução de fato. Assim, foram integrados ao arsenal instrumental da banda instrumentos acústicos e, às composições, melodias mais acessíveis. No entanto, apenas com Soundtracks for the Blind (1996) que o grupo atingiu seu pico de criatividade: um imenso álbum (duplo) de horror cósmico, música industrial, paredes e mais paredes de som post-rock. O LP só viria a ser superado em tamanho e forma no novo renascimento dos Swans, quando, em 2012, o circo delirante de Michael Gira lançou algo tão ambicioso quanto degradante, o inacreditável The Seer.

The Seer é um trabalho cacofônico. É complexo, desafiador, provocativo e evocativo. Com os ouvidos bem atentos, é impossível sair de um álbum assim sem ser abalado. Não apenas pela complexidade e eloquência instrumental, mas também pela visceralidade das letras. Gira não perdoa nada ou ninguém com suas letras extremamente humanas, brutais. Tratando de conflitos que vão desde os enfrentados dentro do útero materno até a ambivalência moral da vida adulta, logo de início, a faixa Lunacy coloca o ouvinte dentro deste tema de angústia, horror, desilusão e insanidade. Tudo isto é representado musicalmente em repetições sobre repetições, drones, acordes minimalistas com crescendos majestosos que se erguem a volumes avassaladores, acompanhados sempre de uma performance vocal completamente animalesca do frontman.

O frontman, Michael Gira

nova encarnação dos Swans é marcada por esta fórmula que tortura os fãs com repetições, dissonância, longas dezenas de minutos de drones. Isto, além de desafiador por si só, é responsável por gerar composições que batem a marca dos trinta e dois minutos, como na faixa-título do álbum. Meia hora de música visceral, tortuosa e, ao mesmo tempo, virtuosa.

Pegando o gancho de onde pararam em The Seer, os Swans lançaram em 2014 o impecável To Be Kind.

Continua depois da publicidade

Se antes a cacofonia e a repetição, a visceralidade e a crueza, eram partes experimentais da música dos Swans, em To Be Kind todos estes elementos se tornam o que de fato é a música. Cada acorde é um novo desafio, um novo passo em direção a um monólito que parece sempre estar mais perto do que de fato está. É como no mito de Sísifo: condenado a rolar uma enorme rocha colina acima, para, ao atingir o pico, vê-la rolar de volta ao chão. To Be Kind leva esta metáfora a sério, ao compor minuciosamente progressões que ficam cada vez maiores e aparentemente insustentáveis, até que se despedaçam em uma melodia ainda mais desafiadora que antes. É um trabalho de manutenção da tensão que desperta certo desespero e, em algumas faixas, claustrofobia.

Swans não é para qualquer um. Assim como os franceses rejeitaram Van Gogh e vomitavam em suas exposições por serem “demasiado impressionistas“, muitos fãs de música rejeitarão os trabalhos de Michael Gira pelo fato de serem muito pouco amistosos. Porém, aqueles que decidirem se aventurar neste mundo caótico e cruel, uma hora ou outra encontrarão a beleza que se esconde por trás de toda a horripilante e esmagadora realidade retratada pela banda.

Continua depois da publicidade

COLUNAS

Advertisement

Posts relacionados

BR

A banda Melim anunciou, no último sábado (4), em primeira mão no programa Altas Horas, da TV Globo, a pausa na carreira para seus...

Publicidade

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados

Desenvolvimento: Fika Projetos