Desde o surgimento do heavy metal com o Black Sabbath, temas demoníacos em músicas deixaram de ser algo incomum. Mesmo as bandas mais célebres citam entidades como Lúcifer, lugares como o Limbo e vez ou outra o próprio Inferno, em suas letras. Pouquíssimos grupos, no entanto – a excetuar talvez pela cena black metal – atrevem-se a ultrapassar a linha da imagem: introduzir aspectos relacionados ao culto demoníaco em capas de seus álbuns, por exemplo. The Necromancers, estourando os amplificadores de algum canto da cidade de Poitiers, centro-oeste da França, parece não dar a mínima para os olhares ortodoxos.
Vamos por partes. O grupo é formado por Rob, guitarrista, Tom, também guitarrista e poderosíssimo vocalista, Simon, baixista, e Ben, que toma conta das baquetas. Seu primeiro lançamento, Servants of the Salem Girl, com sua já intimidadora capa (como segue abaixo) é surpreendentemente profissional e original para um debut. O restante dos nomes dos integrantes é tão misterioso quanto quem é essa tal de Salem Girl.
Com um som que senta ao lado dos americanos do Black Black Black e do Lo-Pan, com claras influências do clássico Motörhead (R.I.P. Lemmy), voltando de onde Geezer Butler parou com as linhas de baixo de Paranoid (1971), e com aquela pitada de mescla de gêneros irresistível que deu forma ao movimento underground do século 21. A banda, em sua página oficial no Facebook, rotula seu som como “heavy occult rock”. Darei esse mérito aos integrantes da banda, que tão inteligentemente uniram não apenas dois gêneros, mas dois subgêneros.
Os franceses iniciam seus registros com a misteriosa Salem Girl Part I, que em menos de 20 segundos explode em uma parede de guitarras ligadas a um poderoso pedal de fuzz, um baixo igualmente retumbante e batidas precisas, insistentemente bem-sincronizadas. A progressão da faixa se dá de forma completamente inconstante, o que fica longe de ser um ponto negativo – marquem nos caderninhos: bagunça organizada não é bagunça. Apesar da ausência de uma linearidade definida na progressão, não apenas da primeira faixa mas de todo o álbum, isto acaba por ser um fator que mantém a dinâmica de todo o som muito mais viva, característica herdada dos mestres da NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal, Nova Onda do Heavy Metal Britânico), Witchfinder General, em seus altos e baixos, suas melodias e seus rugidos à lá biker rock.
A atmosfera é muito bem ilustrada pela arte de capa (um tirar de chapéu especial a Vadereto, artista criador da mesma): com seus chifres e maldade, porém elegante e refinada. Lembra muito a atmosfera deixada pelos alemães do Lucifer em seu álbum de estréia. Densa e cheia de pormenores, porém sem o exagero de produção característico em álbuns pesados e com pegada “oculta”. Mixagem limpa, com os instrumentos audíveis no volume certo e perfeitos para serem escutados naquele sistema de som que você alterou para o volume ir até o 11.
Chamo agora atenção especial para a dualidade de guitarras. Elas dançam. Hora, dançam juntas, imitando uma a outra, e outra duelam. Isso é um fraco que guitarristas dos anos 80 – e também aqueles que se inspiram nos anos 80 – têm, e que foi utilizado com força pelos suecos do Salem’s Pot em sua Tranny Takes a Trip. Outro grande destaque vai para o baixo, muito audível e claro na mixagem, algo raro em lançamentos underground – em especial os barra-pesada -, e que lembram muito a sonoridade, como já supracitado, de Geezer Butler no clássico álbum Paranoid e sua pérola, War Pigs. Simon certamente fez a lição de casa de como conduzir o ritmo com um baixo. E o baterista Ben dá a forma tectônica que um álbum como Servants deve ter.
Com tantos comentários positivos, faz-se necessário abrir um parênteses antes de encerrar o texto. Servants é um álbum curto, com apenas seis faixas e duração total de 40 minutos e 15 segundos. Este, muito provavelmente, é o único pecado do álbum além de sua irreverente e sincera blasfêmia. E, assim como o álbum, curto, acaba a Worldground de 4 de Setembro.