Vou admitir. Está difícil fugir do eixo do norte europeu para escrever as colunas aqui para a Worldground. Mas isso se deve a fatores que fogem ao meu controle. Num mesmo ano Electric Wizard, uma das minhas favoritas, e Wandering Midget lançando novos sons é de quebrar os joelhos. Mas chega de rasgação de seda. O que importa é falar de música – e dessa vez temos apenas UMA que vai precisar de um pouquinho de contexto.
The Wandering Midget é um grupo de três finlandeses (Finlândia de novo, hein?) que dedica seu tempo a criar música pesada. O frontman e liricista, Samuel Wormius, desde o primeiro lançamento do grupo, o EP I Am The Gate, mostra-se fortemente influenciado, além dos filmes B dos anos 1980 e a literatura de H.P. Lovecraft, por Albert Witchfinder – outro finlandês, líder da extinta Reverend Bizarre.
Seu vocal melódico e tormentado agrega à estrutura sonora da banda um tom mórbido e sombrio, que é levado ao extremo com as pancadas do baterista Jonathan Sprenger e do poderoso baixo de Thomas Grenier. Thomas também carrega consigo muito de Albert Witchfinder, sendo então um excelente baixista.
A discografia da Wandering Midget é sólida, com dois LPs, The Serpent Coven e From the Meadows of Opium Dreams e algumas demos, além, claro, do EP supracitado. Todos os lançamentos seguem a mesma linha de doom metal pesado, com composições longas e hora ou outra reprodutoras de um padrão drone à la Moss.
Pois bem, disse anteriormente que a faixa de hoje, muito bem entitulada Where We March the Voltures Flow, precisa de um pouco de contexto. Ouça-a enquanto lê:
The Wandering Midget, Reverend Bizarre e Moss têm três coisas em comum: composições longas, um baixo arrasador (Moss, por exemplo, não utiliza guitarras, apenas baixo) e influência lírica de Lovecraft. Mas por que Lovecraft? Talvez pelo fato de ser um dos escritores de horror mais influente não apenas do século 20 mas também de todos os tempos; ou talvez por ter uma consistente obra de horror visual, agourento e apocalíptico.
Lovecraft foi o criador do Mito de Cthulhu, uma narrativa de horror que transcende limites normais do conceito de medo clássico e introduz uma nova era, a era do medo do desconhecido. O autor explora temas como os sonhos, a loucura e a hostilidade como forma de contexto para abrigar seus imensos Anciões, criaturas criadas junto ao universo, que uma vez governaram a Terra mas que agora repousam em uma espécie de sono profundo.
Estas coisas, muitas vezes inomináveis (ou pior, inconcebíveis), nas histórias de Lovecraft, estão sendo despertas por estranhos e malignos cultos e vêm trazendo horrores como cores que vão além do espectro normal (vide A Cor que Veio do Espaço, 1927), ou encarnações de criaturas demoníacas em pessoas (O Horror de Dunwich, 1929). Além disso, estes cultos trazem agouros indescritíveis às pessoas expostas à sua influência, sobretudo aqueles que decidem por investigá-la.
O doom metal, como o próprio nome já diz, é um gênero focado no que é maldito. Assim, a ligação entre o gênero e o horror Lovecraftiano é como 1 + 1 = 2. Inclusive há um subgênero chamado Lovecraftian Doom, para visualização de quão grande é a influência da literatura bizarra na música.
Os Anciões são conhecidos na obra de Lovecraft por se moverem lentamente com seus gigantescos corpos fétidos e de matéria desconhecida, bem como formato inconcebível. Assim também é a música de Wandering Midget, Reverend e Moss. Assemelham-se ao que os fãs mais ávidos chamam de tectônico, como alusão a terremotos e outros abalos sísmicos causados sobretudo pela presença submarina d’O Grande Cthulhu no Oceano Pacífico.
Agora chega de papinho literário e analogias. Pega o fone de ouvido mais isolado que você tiver por perto, coloca o volume no máximo e dá play nas recomendações que fiz. Se for corajoso, ainda vai pesquisar um pouco mais a fundo, e quem sabe ler o que Lovecraft produziu enquanto ouve o Lovecraftian Doom.
De um jeito ou de outro, o fim está próximo e sua violenta chegada não poupa ninguém.