MÁRIO JORGE
Marco não me falou seu nome todo, apesar de questionado. Descobri, depois, que era Marco Antônio Rimes, confirmado mais tarde por ele mesmo. Na verdade, duvido quem o chame pelo nome de batismo. Aos 45 anos, encarna um personagem que às vezes é impossível dissociar. Até porque se parece fisicamente e canta com o mesmo timbre de voz.
E quando sai o canto, a sensação é de estar vendo o cara, resgatado de algum túnel do tempo, lá pelos idos dos anos 1980. No palco, Marco é Morrissey, o polêmico ex-vocalista da banda The Smiths, cujo som ecoou em meio à Grã Bretanha de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, com os assombros que a austeridade política e econômica provocou nos jovens britânicos de então.
A simbiose de Marco e Morrissey começou há 18 anos, na primeira vez que o cantor britânico veio ao Brasil. Na saída do show em São Paulo, um encontro com amigos manteria viva a lembrança daquela noite memorável. Tinha violão e até o cara que cantaria as músicas do ídolo. O sujeito não apareceu, mas Marco estava lá e arriscou-se na experiência: “Toca aí que eu enrolo aqui”. Foi a sementinha.
Um pouco antes, amigos já haviam se surpreendido com a semelhança. “Duas meninas meio loucas, chamadas Corina e Sandra, me viram no Largo da Matriz e vieram correndo pra cima de mim. Elas mostraram um álbum cheio de fotos do Smiths e nesse dia foi plantada a ideia de ter uma banda”. Isso foi em 1995. Nem sempre foi de forma agradável.
Certa vez, o rapaz foi xingado por uma fã depois do show de Morrissey. Por razões óbvias, Marco dava entrevista ao Programa Vitrine, da TV Cultura, quando foi confundido com o ídolo por uma fã non sense. Ela o “condenava” por não ter cantado músicas da época do Smiths.
E assim surgiu a Bigmouth – The Smiths & Morrissey Tributo, que está há 17 anos perpetuando o som dos ingleses. Na última sexta-feira, a banda tocou no Studio Rock, em Santos. Entre o público, idades variadas. Gente que pegou a fase do Smiths e aqueles que sequer sonhavam em vir ao mundo. Mas havia uma identidade, já que as músicas eram cantadas letra a letra. Ao final do show, Marco era procurado por pessoas do público para fotos ou um bate-papo, o que ele fazia com atenção e extrema simpatia.
Sofrência???
No palco, Marco se transforma. Sua performance, com os trejeitos típicos de Morrissey, é impecável. Ele vive aquele momento, quase que fazendo uma ode a um mundo sem muitas explicações ou esperanças, beirando o lado deprê que invariavelmente acompanha o estilão do inglês.
Morrisey cantava essa verve meio obscura. Caminhava pela linha divisória entre estar bem e, de repente, ser tomado por um vazio imenso. Pergunto se ele não lançou as bases da tal “sofrência”. “Concordo plenamente em relação a ser a “sofrência” da época, mas vejo que ele está bem acima da “sofrência” imbecil que muitos passam hoje com relação a amorzinhos e dorzinhas de corno, já que as próprias letras dos Smiths e até do MOZ (corruptela de Morrissey) são bem claras quando expressam as dores da alma. Exemplo: The Boy With The Thorn In His Side. Olha a mensagem…
O garoto que carrega um fardo
Por trás do ódio jaz
Um desejo homicida por amor
Como eles podem olhar nos meus olhos
E mesmo assim não acreditar em mim?”
The Boy With The Thorn In His Side
Bigmouth – The Smiths & Morrissey Tributo
https://www.facebook.com/bigmouthsmithsmorrissey/videos/820255091471947/?t=0
A justificativa para manter em evidência e continuar a atrair jovens para o tributo que faz, passados 30 anos do auge do Smiths, segundo Marco, é exatamente o “axioma” Morrissey. “É uma verdade evidente por si mesma. Os jovens estão cada vez mais carentes de algo melhor, de um remédio eficaz para a alma, que é a música de boa qualidade”. E assim ele define o público que vai às suas apresentações: “Crianças em busca do descobrimento”.
A banda faz, em média, de três a quatro apresentações por mês. Poderia ser mais, não fosse a outra profissão que Marco exerce, de cabeleireiro. Mas não é só isso. “Tenho algo inato em mim que se parece com o Morrissey, que é eu não gostar de estar sempre em evidência como também eu não ser uma pessoa que toca em qualquer lugar. Não por me sentir melhor que os outros, mas por eu não gostar de me sentir pressionado, pois levo demaissss a sério esse trabalho”.
O som do Smiths/Morrissey não morreu nos anos 1980, na visão de Marco. Para ele, a música que emergiu com os caras foi referência para bandas nacionais, como Legião Urbana, Capital Inicial, The Cranberries, Placebo e outras.
Em relação à diferença com outros estilos, sempre muito presentes em cada época, como o heavy metal ou o hard, ele acha que há espaços e onipresença em cada tipo de som ao longo do tempo e da forma que chega até as pessoas. “Vejo em alguns aspectos dentro do patamar dos Smiths, com relação ao que despertam nos corações dos fãs. Pois, a meu ver é nisso que eles se parecem, só que tocam as almas com estilos diferentes de se expressar, já que não pode haver unicidade num mundo tão cheio de diversidade”.