Foto: Irandy Ribas / A Tribuna
Um romance iniciado dentro de um ônibus descendo a serra rumo a Santos. Um santista e uma paulistana, de forma despretensiosa, vivem uma relação intensa em apenas um fim de semana, rendendo uma série de homenagens para uma das cidades mais românticas do Brasil. É dessa forma que se desenha a ópera Canções de Amor Caiçara, criada por Marcos Canduta e Manoel Herzog, dois dos nomes mais representativos da música e literatura regionais, respectivamente.
Previsto para março, o projeto, contemplado pelo Facult (Fundo de Apoio a Cultura), recebeu apoios de peso. Chico Buarque e Zeca Baleiro participam com vocais em faixas que enaltecem nossas paisagens e o Santos Futebol Clube.
“Escrevi para agradecer os elogios feitos por ele. Depois, aproveitei para falar sobre a Antologia Lula Livre (lançada durante a última Flip, em Paraty), me prontifiquei a convidar, ele topou e participou. Quando falei da música, o Chico gostou, gravou no Rio e mandou para a gente”, comenta Herzog, lembrando do vídeo gravado pelo carioca, nas redes sociais, recomendando o santista.
Canduta conta que a entrada do carioca no projeto mexeu com todos os envolvidos. “Essa que o Chico está cantando, eu ia cantar com a Vivi (Viviane Davoglio). Ia entrar como um bônus, mas com essa expectativa se ia ter o Chico ou não, ficamos no aguardo”.
Zeca Baleiro é o responsável por abrir a ópera, com Descendo a Serra. “Hoje vai ter comboio / Terra da garoa / Diz que a praia tá boa/ Lá embaixo / O povo passeia no sol / Dourando a pele no sol / E eu ando tão só…”, canta o maranhense.
Se o santista é representado por várias vozes, incluindo também Carlos Careca (duas canções), o brasiliense Alberto Salgado (1), o grupo de fado Filhos da Tradição (1), João Maria (3), a voz feminina é sempre de Viviane Davoglio, parceira de Canduta desde os anos 1980.
“É um disco manifesto para reafirmar a importância do apoio do Estado à cultura. Um contraponto à política que vem dando as caras. É necessário apoiar a cultura porque isso é apoiar a nossa soberania, nacionalidade, a nossa brasilidade. Existe um fetiche de dizer que a Lei Rouanet é escoamento de dinheiro público, mas isso é uma mentira. Estamos produzindo um disco com essa qualidade, com R$ 12 mil, e todos esses artistas estão participando de forma voluntária por entender que é um manifesto. O Estado precisa promover a cultura, o Estado não está aqui para garantir banco ou empresa que quebra”, justifica Herzog, mostrando que não se trata apenas de uma história de amor musicada em Santos.
O Projeto
O projeto começou a ser pensado há dez anos, durante uma caminhada de Canduta com a flautista Débora Gozzoli. “Estava andando na praia com a Débora, chegou no canal e estava cheio de garça. E começou aquele papo de onde vieram essas garças. E ela falou: por que não fazemos uma música para as garças? Eu logo quis ampliar. Vamos escolher alguns locais de Santos para fazer uma música para cada. O primeiro lugar que veio foi o Engenho dos Erasmos. Depois um fado para as bordadeiras do Morro São Bento. Era uma ideia instrumental. Mas, na sequência, pensei que tinha que ter letras”.
Chegar em Herzog foi um passo natural, principalmente em função da amizade dos dois. “Aí passou mais tempo, contei a história para o Herzog, o bicho arregalou os olhos. Através da história de amor, ele criou um romance de fim de semana. A Débora até brincou que eles fizeram coisa pra porra no fim de semana. Da hora que eles descem a serra até o último café na Bolsa”, comenta sobre as inspirações.
Canduta conta que musicava as faixas e Herzog criava as histórias. “As únicas que não foram assim são Praia do Góes e a Valsa Noroeste. A Praia do Góes é a praia do santista. Todo mundo em algum momento atravessou para ir lá. Toda a narrativa foi pintando aos poucos. As músicas têm uma sequência lógica. O processo de criação era rápido, mas a história foi se amarrando com mais demora”.
O fim poderia ter sido diferente, segundo o músico, mas o escritor recusou. “Perguntei nós vamos casar eles? E o Herzog respondeu nem fudendo”. O álbum é apenas o primeiro passo desse projeto. Canduta e Herzog pretendem transformar esse material em um musical. Mas isso é conversa para o futuro.