“Cheguei para o garçom e pedi uma faca. Não ia assassinar ele, mas ia me defender. Até que chegaram e tomaram a arma de mim”. Foi dessa forma que o vocalista do Ratos de Porão relembrou o falecido líder do Charlie Brown Jr, Alexandre Magno Abraão, no painel do documentário Chorão: Marginal Alado, na CCXP, na quinta-feira (5), em São Paulo.
A história contada por João Gordo casou bem com a proposta do filme: mostrar os dois lados de Chorão. O incidente ocorreu em uma festa do Vídeo Music Brasil, da MTV.
“Você tinha que gostar e falar bem da banda dele. Ou você virava um inimigo. Ele era muito louco, grande, forte e cheirava muito”.
A confusão citada pelo vocalista do Ratos de Porão foi resultado de muitas provocações.
“Naquela dia fui entregar o prêmio com a Dercy Gonçalves. E na coxia do teatro, no escuro, quando a gente se trombou, ele veio me dar uma porrada”.
Gordo conta que na mesma festa, o vocalista do Charlie Brown Jr foi conversar com ele para “resolver a treta de uma vez”.
“Elle chegou e falou vamos parar com isso. E ele começou a chorar. Entendi o motivo do apelido dele. Ele disse que gostava muito do Ratos, mas ficou chateado porque eu não gostava da banda dele”.
O ex-VJ da MTV contou ainda que Chorão revelou ter jogado os discos do Ratos no lixo por conta da mágoa.
“Depois ficamos muito amigos. Ele me comprava pijama de caveira, pares de tênis, dente de ouro. E eu pensava que ele queria comprar minha amizade”, comentou, aos risos.
Premiado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Chorão: Marginal Alado chega aos cinemas em 2020. O filme tem direção de Felipe Novaes e roteiro de Hugo Prata.
Novaes, que também participou do painel, falou sobre essa dupla personalidade de Chorão.
“É um personagem rico de contradições. Na medida que fomos vendo o que queríamos contar, as coisas foram ganhando vida própria. Optamos por contar esse sofrimento que estava suplantando as coisas boas dele. Tem um preço para conseguir isso”.
Confira abaixo algumas memórias compartilhadas pelos convidados do painel Chorão: Marginal Alado.
Edgar Piccoli – ex-VJ da MTV
“Ele tinha essa personalidade impulsiva. E o filme deixa isso bem claro. Lembro de um Verão MTV. Tinha o Garagem do Edgar, um programa que eu cantava com os caras. No dia do Charlie Brown Jr, o Chorão chegou muito doido pra gravar. Ele estava numa pilha, numa puta treta no telefone. Foi o dia que tinha morrido Sabotage. Estava falando de negócios, de uma casa em Santos, tudo ao mesmo tempo. Gravamos umas cinco ou seis músicas. Quando terminou, ele estava carinhoso, afetivo. Ele era um turbilhão de emoção e comportamento. Em um momento estava com ódio, no outro todo carinhoso”.
Hugo Prata – roteirista do filme
“Foi uma tarefa difícil. Para contar 42 anos em 70 minutos tivemos que fazer escolhas. Discutimos muito o que gostaríamos de contar. Fizemos alguns roteiros, jogamos fora. Achamos interessante mostrar que ele tinha um lado mal e outro benevolente. Tem um hospital em Barreiros com uma ala que tem o nome dele. Ele sempre fez caridade, mas não saia divulgando”.
Felipe Novaes – diretor do filme
“A gente fala de ser bem sucedido, ter sucesso. Até que ponto a pessoa foi bem sucedida, feliz? É sempre um exercício complexo”.
“A gente fez uma entrevista com o Champignon, sete dias antes dele se matar. Eles estavam enfrentando uma série de coisas, como mudança do nome da banda, eles estavam super recolhidos. A produtora me ligou e perguntou se dava para ir naquele dia. Gravamos com os quatro na casa do Marcão, em Santos”.
João Gordo – vocal do Ratos de Porão
“A Grazi (viúva do Chorão) me chamou para discotecar em uma festa surpresa dele, na casa deles em Santos. Ele ficou tão feliz quando me viu. Lembro que comecei a inalar o gás da buzina, sabe aquelas buzinas com barulho estridente? E ele me perguntou o que era aquilo, expliquei e ele começou a fazer também. Os pais começaram a olhar e perguntar o que estávamos fazendo. Estávamos cheirando gás de buzina. Dá um barato igual de lança perfume”.
“A cocaína potencializava todo o mal que o Chorão tinha. Mas ele era um cara de coração enorme. Ao mesmo tempo em que se metia em confusões, ele ajudava as pessoas. Ele pagou o tratamento de diabetes, por anos, de um PM roqueirão (Tarso Wierdak, do Carnal Desire) lá de Santos”.
“No dia que ele morreu, eu chorei pra caralho. Bolei um beque gigante e passei na porta da casa dele fumando, tipo uma homenagem, e estava cheio de polícia ali”.
Sarah Oliveira – ex-VJ da MTV
“Fiquei de 2000 a 2005 no Disk MTV. Na época, o Chorão encrencou comigo. Ele falava que eu não chamava o clipe de Rubão de uma forma legal. E ele queria saber o motivo. Tinha uma cena que um mina fazia sexo oral nele e as pessoas falavam que era eu. Mas não ia falar isso. Então ele começou a falar que era porque eu era amiga do Los Hermanos, Cássia Eller, Pitty”.
“Um dia ele me perguntou o que eu faria de noite. Disse que eu ia estudar, estava na FAAP na época. Daí ele me ligou de noite e disse que estava na frente da FAAP. Ele queria mostrar as letras das músicas dele. Eu jamais iria no apartamento dele para ver as letras. Entendi que aquilo era realmente importante para ele. Quando cheguei, tinha um monte de composições no chão, comecei a ver as letras. Ele me mostrou a letra de Um Lugar ao Sol. Essa música é muita linda. Fiquei muito emocionada quando tocou no fim do filme (Marginal Alado)”.