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TV e Cinema

Jogos Mortais renova, mas hesita em sair da zona de conforto

Paulo José Ribeiro

Em 2021, Espiral: O Legado de Jogos Mortais tentou reinventar a franquia de Jigsaw sem Jigsaw. Foi o primeiro filme a não contar com o protagonista da série, além de ser dono do maior orçamento de toda a saga, com US$ 20 milhões. A aposta, no entanto, não correspondeu, registrando a sua pior bilheteria e maior fracasso comercial, com apenas US$ 40,6 milhões. Dois anos depois, Jogos Mortais ainda sente a necessidade de mudar para atrair novos públicos às salas de cinema, mas faz isso de forma muito mais pragmática.

O lançamento traz de volta o seu protagonista, John Kramer, interpretado por Tobin Bell, numa história que se passa entre os dois primeiros filmes da franquia, o que abre espaço para mais referências nostálgicas e rostos conhecidos pelos fãs – entre eles o da aprendiz de Kramer, Amanda Young, a “Porca”, vivida por Shawnee Smith.

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À procura de uma cura para o câncer de cérebro terminal, Kramer viaja para o México onde encontrou um tratamento “milagroso”, mas descobre ser alvo de um esquema milionário que se aproveita de pacientes com doenças terminais. O terreno está pronto para o retorno de Jigsaw, desta vez movido por uma vingança pessoal.

A obra se aproveita da contestação moral, presente desde o primeiro Jogos Mortais, do seu vilão/protagonista para inseri-lo de vez como um personagem principal, sem deixar que o espectador acompanhe as vítimas e descubra o motivo delas serem sequestradas para o jogo por esse ponto de vista, mas colocando a história na perspectiva do seu “assassino”. Isso conversa com a tendência do anti-herói contemporâneo, solidificada no cinema e TV, que se encaixa perfeitamente não só à série como a todo o subgênero do torture porn, dotado de um niilismo que discute a subjetividade das relações humanas através da violência e gore extremos.

Aqui, a sensação de expurgo é predominante nas mortes, colocando-as sob uma visão mais justiceira do que agonizante, por conta do punitivismo que toma grande parte das cenas mais sangrentas (acenando para o julgamento de normas sociais do slasher dos anos oitenta). Esse aspecto confronta a visão do próprio Kramer, que ao se preocupar em ser justo nos jogos, cria um personagem com caráter piedoso, ainda que psicótico, e gera um conflito crucial para esse novo formato narrativo, que o vê como a verdadeira vítima.

É curioso que o filme deixe subentendido, na cena em que decide deixar suas armadilhas de lado ao pensar estar curado de seu câncer, que elas ainda eram vistas pelo personagem como um ato de sadismo, o que acrescenta elementos à ambiguidade proposta e enriquece a história.

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A conciliação para chamar novos fãs e agradar os antigos também passa por retomar características da linguagem dos clássicos da franquia. Existem muitas referências visuais aqui, desde uma montagem dinâmica, até a aceleração no tempo de imagens que constroem espécies de jump cuts em alguns planos e a iluminação mais esverdeada que em determinados momentos figurou na fotografia e design de produção “sujos” dos filmes dos anos 2000 e está no subconsciente do público que acompanha as armadilhas de Jigsaw há quase 20 anos. A própria divulgação do longa remete aos primeiros lançamentos, com um pôster que segue o mesmo estilo ao brincar com uma das armas dos jogos e formar o número correspondente ao título.

O retorno do diretor Kevin Greutert, de Jogos Mortais 6 e Jogos Mortais 3D, últimos filmes no formato mais familiar, também são parte importante do objetivo do projeto, já que ambos possuem mortes das mais memoráveis e gráficas.

Em um espaço como o torture porn, onde tudo aparentemente é muito superficial e tem dificuldades para lidar com um desenvolvimento mais dramático de seus personagens, pareceria improvável que uma obra desse estilo desse certo em um momento em que o terror ganha notoriedade por ser mais psicológico e sugestivo. Até os filmes com horror mais frontal, que mostram mais e escondem menos, tendem a estar revestidos de uma ironia cômica, fruto de um espectador cínico em relação a esse tipo de cinema.

Entendendo esses riscos, Jogos Mortais procura mediar dois mundos diferentes para se reerguer e dar sangue novo à franquia. O resultado é positivo, até certo ponto, com um estudo de personagem que acontece ao subverter a estrutura narrativa da série, sem comprometer as características que a fizeram ser o que é. Existe um limite para a suposta ousadia de todo o conceito, mas dentro do contexto mainstream em que está inserido e de toda a covardia após um fracasso monumental, as novas ideias são bem dosadas.

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O retorno já é realidade. Com um orçamento de US$ 13 milhões, Jogos Mortais X alcançou a maior bilheteria no primeiro final de semana da história da franquia, inaugurada em 2004, com mais de US$ 18 milhões. Atualmente, já foram somados US$ 43,8 milhões mundialmente.

Grande parte do sucesso se dá graças ao apelo referencial preguiçoso que o cinema de horror tem investido com seus reboots, mas o novo olhar sobre John Kramer e seu propósito de vida ainda é proveitoso dentro de todas as suas margens.

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