Fotos: Andy Santana / Folhapress
Quando os primeiros acordes da faixa Dê um Rolê foram executados, o Tom Brasil foi tomado por um sentimento de nostalgia. Afinal, a baiana Gal Costa foi um buscar uma música emblemática, do início dos anos 1970, para iniciar o primeiro show de sua nova turnê, A Pele do Futuro, suporte do disco homônimo.
Dê um Rolê, do Novos Baianos, foi gravada por Gal em 1971, no disco ao vivo Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, produzido por Roberto Menescal. Quarenta e sete anos depois, a cantora segue fatal e com todo vapor. Entrou com um belo vestido longo e rosa, cabelo armado e impressionou a todos com o seu vocal conservado. Não foram apenas os integrantes do Soul Asylum, presentes no Tom Brasil, que ficaram perplexos com a baiana. O público aplaudiu de forma efusiva.
E disposta a mostrar que estava fatal mesmo, Gal não aliviou com os fãs. Emocionou e encantou durante quase duas horas de apresentação. O repertório teve sequência com a primeira faixa do seu novo disco, Mãe de Todas as Vozes, escrita por Nando Reis.
O curioso dessa canção é que Nando já havia declarado, em entrevista para o YouTube da gravadora Biscoito Fino, que a música tem uma relação não muito diferente do meu sentimento por Gal. “O que sinto em relação à voz da Gal é que ela está associada a um lugar de maternidade, da ideia de gerar toda a beleza que busco na música”.
Minha primeira lembrança de Gal vem do longínquo 1994, quando ela excursionava com o seu vigésimo quarto álbum, O Sorriso do Gato de Alice. Foi em uma apresentação dela no ginásio do Sesc Santos. Tinha apenas 9 anos, mas recordo vagamente dos meus pais perplexos (da mesma forma que fiquei no sábado) com o show dela.
À época, tinha um hábito de caçar autógrafos, palhetas, fotos e afins dos artistas. A baiana estava indo embora pela porta da frente do Sesc, o sentido oposto dos fãs. Minha mãe me encorajou e pediu para ir atrás. Gal não parecia muito disposta a parar. Quando estava entrando no carro, viu uma criança maluca, bloqueada por dois seguranças, pedindo por um autógrafo. Não pensou duas vezes, pediu para me liberarem. Autografou o encarte do CD, me deu um beijo e um abraço. E ganhou um admirador para toda vida.
Pode parecer apenas mais uma historinha boba de criança, mas ela reflete bem essa ligação materna. O incentivo da minha mãe e a bondade materna de Gal, que me recebeu com os braços abertos, mesmo após um show intenso no ginásio lotado.
Voltando ao repertório do último sábado, Gal seguiu resgatando sucessos antigos, mas sem perder a ligação com o novo. Homenageou Caetano Veloso (London London), Roberto Carlos (As Curvas da Estrada de Santos e Sua Estupidez), Fábio Jr (O que é que há), com quem a cantora comentou durante o show ter namorado no final dos anos 1970.
Por outro lado, surpreendeu com a inclusão de Motor, da banda conterrânea Maglore. Conseguiu deixar a faixa ainda mais linda. E conversar com artistas mais novos é algo comum na carreira de Gal. Cuidando de Longe, por exemplo, tocada mais no fim da apresentação, recebeu a participação da sertaneja Marília Mendonça na gravação de A Pele do Futuro.
Respeitando sua história, Gal revisitou outros momentos memoráveis da carreira. Incluiu Mamãe, Coragem, uma das faixas interpretadas no emblemático Tropicalia ou Panis et Circencis (1968), Que Pena, escrita por Jorge Ben Jor e gravada no disco homônimo (1969), entre outras.
O bis é um momento de festa. São quatro clássicos para levantar o público que passou quase todo o show sentado nas mesas do Tom Brasil. Bloco do Prazer, Balancê, Massa Real e Festa do Interior garantem um clima quase carnavalesco. Alguém ainda duvida que Gal pode comandar a festa baiana, mesmo com 73 anos de idade e 53 de carreira? Eu não duvido!