Na semana passada demos uma pincelada no documentário Hip Hop Evolution que está disponível no Netflix. Algumas pessoas vieram até a mim e me questionaram a respeito do rap nacional. E é verdade, pouquíssimos falam sobre o desenvolvimento do estilo no país, e muita gente acha que o rap nasceu aqui com o Racionais Mc’s, mas hoje faremos justiça na Romper Stomper.
Um fato curioso é que o primeiro contato que tive com o rap foi justamente com a vertente nacional. Anos depois fui saber quem era 2Pac, N.W.A, RUN – DMC, Public Enemy entre outros. O primeiro contato que tive com o rap foi com o Gabriel o Pensador, que apesar dos pesares, e muita gente torcer o nariz para ele, foi um dos grandes responsáveis por fazer o rap ser aceito no mainstream, e abrir as portas para que outros nomes fossem falados nas grandes mídias.
Como toda boa história, o rap nacional não tem uma data de início, e muito se discute sobre suas origens aqui. Mas o considerado “primeiro rapper brasileiro” seria Jair Rodrigues, lançando em 1960 Deixa Isso Pra Lá, que tinha um flow bem embrionário do que seria o rap aqui no país. Arnaud Rodrigues e Luis Carlos Miele, humoristas, chegaram a fazer paródias de músicas que faziam sucesso nos EUA, mas de fato, Gerson King Combo gravou o que muitos consideram a primeira composição original do rap brasileiro, Melô do Mão Branca, de 1980.
Apesar de ter gravado esse single, a praia mesmo de Gerson era o soul e o funk, e o rap ainda precisava de representantes do próprio estilo.
Em São Paulo, a Galeria 24 de Maio começava a se tornar a Galeria do Rock, mas abrigou em sua entrada para o Largo Paissandú as primeiras rodas de rap. Nessa época, começaram a se destacar os B-Boys e nomes como Nelson Triunfo começavam a ganhar notoriedade e ajudar no crescimento da cultura hip hop na cidade.
Com o passar dos anos, alguns desses B-Boys decidiram se arriscar nas rimas, entre eles, Thaíde que formou uma dupla imbatível com seu parceiro DJ Hum por anos e anos. Os dois foram convidados por Nasi e André Jung do Ira! para participar de uma coletânea que seria o marco zero do movimento hip hop no país, a Hip-Hop Cultura de Rua, lançada em 1988. Thaíde e DJ Hum abrem a coletânea com Corpo Fechado, no mesmo disco que ainda conta com a participação de MC Jack, O Credo e Código 13.
https://www.youtube.com/watch?v=FqNGrt0baDk
Com o lançamento da coletânea, diversos grupos começaram a se movimentar para também mostrarem sua arte. Um deles, e talvez o maior nome do estilo no Brasil, começou a dar seus primeiros passos no começo da década de 1990, o Racionais MC’s.
O Racionais foi formado no Capão Redondo, extremo sul da cidade de São Paulo, e foi influenciado fortemente pelo soul e o funk. Nomes como Marvin Gaye, Curtis Mayfield, e os brasileiros Tim Maia e Cassiano estão sempre presentes nas letras de Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock, ou principalmente, desde o início da carreira do grupo, nos samples de KL Jay.
O grupo começou a ganhar a atenção do público em 1993, após lançar seu terceiro disco, Raio X Brasil, onde a banda conseguiu ser o primeiro grupo de rap a colocar mais de 10 mil pessoas em um show, e chegou a ser convidada para abrir para o também lendário Public Enemy em São Paulo.
O fator que realmente fez as pessoas olharem não só para o Racionais, como também para o rap nacional como um todo, foi o lançamento de Sobrevivendo no Inferno, em 1997, que retratava todo o ódio que o negro sentia em reflexo da opressão e desigualdade social. O disco já abre com Capítulo 4 Versículo 3, com o verso “Minha intenção é ruim, esvazio o lugar, eu tô em cima, eu tô afim 1, 2 pra atirar. Eu sou bem pior do que você tá vendo, preto aqui não tem dó, 100% veneno”, que já deixava bem claro para que o Racionais estava vindo. Mas o propulsor realmente foi esse clipe.
Diário de Um Detento foi gravado dentro do extinto complexo do Carandiru, uma das maiores e mais caóticas penitenciárias que já existiram no mundo, e teve sua letra baseada na carta de um amigo que viveu o terror da chacina de 111 detentos (número aproximado) que aconteceu dentro do presídio em 1992. O clipe ainda foi premiado no VMB de 1998, como Melhor Clipe de Rap e Clipe do Ano, que aliás, os integrantes receberam o prêmio das mãos de ninguém menos que Carlinhos Brown, gerando um dos momentos mais constrangedores da TV BR.
Mas também uma das melhores apresentações.
A partir desse momento o hip hop só se desenvolveu no país, mesmo ainda sendo marginalizado. Programas como o Yo! Raps da própria MTV, e o Espaço Rap da 105,3 FM da Região Metropolitana de São Paulo, abriram espaço para que outros nomes viessem à surgir. Um deles, um dos mais conscientes e carismáticos figuras que esse país já conheceu, o saudoso mestre Sabotage.
Sabota encontrou no rap a redenção para sua vida. Antes, trabalhando para o tráfico da Zona Sul paulistana, viu no rap uma oportunidade para mudar de vida. Chegou a lançar dois discos em vida, Supervisionando a Sociedade, em 1997, e Rap é Compromisso, em 2001, sendo considerado um dos grandes clássicos do gênero no país.
De lá para cá o estilo se desenvolveu muito. Nomes como Criolo e Emicida conseguiram expandir os horizontes do rap e fazer com que ele chegasse às grandes emissoras de TV e rádios de todo o País. O rap se popularizou. Isso de certa forma gera certa controvérsia, e algumas pessoas acabam torcendo o nariz para “a nova geração do rap”. Tudo bem que alguns nomes como Costa Gold e até Léo Stronda não colaboram para que a imagem melhore, mas é um processo natural de qualquer movimento itinerante que chega nas grandes mídias. Aconteceu com o punk, hardcore, reggae e não é diferente com o rap.
O que mantém o movimento vivo nos dias de hoje é sem dúvida as batalhas de rap, que acontecem em diversos lugares do país. Aqui em São Paulo a mais famosa talvez seja a Batalha da Santa Cruz, e no ABC, o circuito se divide em todas as cidades da região, e vem forte com grupos que surgiram da amizade estabelecida nas batalhas. Exemplo de MR-13, Lábia Sapiens, Antologia, entre outros. Tive o privilégio de em 2014 cobrir uma das batalhas pelo Music Wall, em São Caetano do Sul, na Batalha da Galeria.
Na Baixada Santista, o cenário não é diferente: A Batalha da Conselheiro (Santos) e a Batalha do Centro (Guarujá) são dois exemplos que provam que o rap segue cada dia mais forte na região. Vale lembrar que o 013 sempre foi bem representado no hip hop. A turma do Bboy Cachorrão e a Dynamic Breakers, os veteranos Carlos Tatu, Tubarão, Daniel Paixão (Criminal D), além de Rica Silveira, Jotaerre, Th, Kouiot, Seiva Roxa, Sonic e Dudu Skill. Sem esquecer da Preta Rara e Mayarah Magalhães.
O rap, independente de época é um dos mais sinceros meios de comunicação. A habilidade de colocar em uma música aquilo que você realmente viveu, em pouquíssimos estilos musicais irão soar tão honestos como no rap soa. A história que o rap Brasileiro tem para contar, precisa ser ouvida e contada, que se eu fosse contar da forma mais profunda possível, como é de seu merecimento, precisaria de pelo menos uns três dias escrevendo sem interrupção. Portanto, para fazer uns 10% de justiça, deixo aqui alguns dos discos que você precisa ouvir, e se já ouviu, ouça de novo.
Facção Centro – Direto do Campo de Extermínio (Parte I e II):
https://www.youtube.com/watch?v=hGjyn7ds7k0
Xis – Seja Como For:
RZO – Todos São Manos (Não achei o link do disco completo):
https://www.youtube.com/watch?v=rCee-HGmSxY
SNJ – Somos Nós:
Ndee Naldinho – O Povo da Periferia:
Trilha Sonora do Gueto – Us Fraco Não Tem Veiz:
MV Bill – Traficando Informação:
https://www.youtube.com/watch?v=crequlU34Eg
Consciência Humana – Enxergue Seus Próprios Erros:
Emicida – Pra Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe:
Doctor MC’s – Agora a Casa Cai:
Negra Li e Helião
Rappin’ Hood – Sujeito Homem Vol 1:
509-E – Provérbios 13:
Criminal D
Cypher 013 – T h, Kouiot, Seiva Roxa, Tubarão, Sonic, Dudu Skill, Tatu
Conexão Baixada
Art Radical (Carlos Tatu)
Preta Rara
1 Comment
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Guilherme
3 de maio de 2018 at 18:54
Olá
Veja esse VideoClipe
Se gostar publique para ajudar na divulgação?
Obrigado
https://www.youtube.com/watch?v=XFY1qwx0Wes&list=PLc_NWzP74yGnWZS8pnjaFUcHQCMoDFWBO&index=2