Nos anos 1990 e início da década 2000, a banda paulistana Blind Pigs era um dos grandes nomes do punk rock nacional. Dividia as atenções nos palcos da Capital com o Gritando HC, CPM 22, Holly Tree, Street Bulldogs, entre outras bandas.
Hoje, quase dois anos após o término das suas atividades, quatro dos cinco integrantes montaram a Armada, que acaba de lançar o seu primeiro disco, Bandeira Negra, pelo selo Hearts Bleed Blue (HBB).
Para quem não está atualizado das novidades de Henrike Baliú, Arnaldo Rogano, Mauro Tracco e Alexandre Galindo, vai uma dica: eles até mantêm o street punk em algumas sonoridades, mas o universo dos músicos, que agora têm a companhia de Ricardo Galano (Não Há Mais Volta), está muito mais amplo. E quem ganha com isso é o público, que foi brindado com um dos melhores discos do ano (sim, manterei isso até o fim de 2018).
“O Armada surgiu do desejo da gente poder criar coisas novas, pois não poderíamos gravar isso com o Blind Pigs. O Blind Pigs tinha aquele rótulo de punk, street punk. Queremos gravar músicas como Próxima Estação, com o Sérgio Reis, Mares Bravios, que é uma balada. Queremos tocar o que a gente quiser, sem rótulo. O próximo disco pode ser totalmente diferente do trabalho anterior”, comenta Henrike.
Sem volta
Para o ex-vocalista do Blind Pigs, a antiga banda não tem mais volta. “Eu, pessoalmente, me encontrei muito no Armada, onde pude colocar muita coisa pessoal nas letras. Me senti muito mais à vontade. Não é uma evolução, nem uma sequência do Blind Pigs. É uma coisa bem distinta”, comenta o músico, ao destacar que a ideia do Armada surgiu dos quatro amigos que tocavam no Blind Pigs.
Quem escuta algumas das canções do Bandeira Negra pode até fazer referência com o tema náutico, presente no álbum Capitânia, do Blind Pigs, mas Henrike afasta as coincidências. “O Capitânia tinha o tema náutico, mas não quis fazer algo só com canções temáticas. Sempre gostei muito porque meu pai era capitão da Marinha, ele que me mostrou o punk rock. Sempre o admirei por isso. Foi no show do The Replacements, Misfits, nos anos 1980, quando morávamos nos Estados Unidos”.
Um dos grandes destaques do disco é a faixa Próxima Estação, que tem a participação do sertanejo Sérgio Reis. “Era uma música que eu sabia que ia pegar a galera de surpresa. A gente pensou muito nos singles que iríamos lançar antes do disco sair. Vieram nessa ordem: Eterno Marujo e Bandeira Negra, que são duas músicas na pegada street punk, para não assustar os fãs do Blind Pigs. Na sequência já lançamos Próxima Estação, com Sérgio Reis, para mostrar que não era uma banda de um tema só”.
A inusitada parceria, por sinal, nasceu por acaso, diz Henrike. “Gravamos no estúdio do filho do Sérgio Reis. E ele estava lá um dia. Perguntamos como fazíamos para o pai dele gravar uma música com a gente. Como sou fã de Johnny Cash, tenho mais de 100 LPs dele, pensei: vou colocar o Sérgio Reis para fazer algo bem Johnny Cash. Fazer a raiz country rock americana anos 1950, onde tudo era gravado sem bateria. Carreguei influências da Sun Records, dos anos 1950. Foi isso que quis trazer. O tema também: trem e saudade, coisas que o Johnny Cash fazia”.
E por falar em temas e questões pessoais, Bandeira Negra é um álbum de lembranças, reconhece Henrike. A regravação de Cobra Criada, de Bezerra da Silva, revela isso. “Além de colecionar Johnny Cash, coleciono LPs do Bezerra da Silva. Ele, como intérprete, é genial. As letras que fizeram para ele são lições de vida da malandragem (risos). Quarenta anos depois, regravamos com o Kiko Zambianchi, ícone do rock anos 1980, meu sogro, e fez sentido. Você mostra um respeito pela origem da música nacional, dando um pouco de valor para o que é seu”.
Outro tema que remete às lembranças é 1982, uma homenagem ao futebol arte da Seleção Brasileira, com Zico, Júnior, Sócrates e Falcão. Lisboa é bem autobiográfica, narra o relacionamento entre Henrike e sua esposa, Paola Zambianchi. Mas outros integrantes também contam suas histórias. Faca e Fogo, que o Galindo escreveu e cantou é outro exemplo.
“O Armada é uma banda para você colocar o seu coração nas músicas. A ideia é fazer algo bem pessoal mesmo. No início, o Galindo mandou uma letra bem genérica, estilo Blind Pigs, meio autoajuda, mas não gostei. Falei para ele que o som tava legal, mas não gostei da letra. Perguntei para o Galindo: ‘Po, cara, o que você tem tatuado nas suas mãos?’ Ele respondeu: Faca e Fogo, uma palavra em cada mão. Pronto, tá aí o nome da música. Escreve sobre você como é ter o seu próprio restaurante, ter o que você ama fazer. No final do dia, a letra ficou sensacional, mas não vou cantar. Essa música é totalmente sua. Ele respondeu que não cantava há anos, mas respondi que o problema era dele. Ter banda é você fazer uma terapia. O Armada é uma terapia, colocamos pra fora o que está no nosso coração. O Blind Pigs já estava num nível de dor de cabeça”.
Outra coisa que mudou nessa nova fase de Henrike são os desabafos nas redes sociais. Por muito tempo, o vocalista da Armada reclamava de alguns seguidores que faziam acusações. “Antigamente desabafava algumas coisas nas redes sociais e tem muita gente que fica patrulhando. A internet deu voz para esses imbecis. Agora todo mundo tem sua opinião, mostra sua opinião e dando opinião sobre coisa que não entende. Se acham expert em qualquer coisa. Mas desencanei de postar coisas lá. É só você pegar as letras do Blind Pigs que você vai ver de onde venho e qual é o meu posicionamento. A maior parte das letras são minhas. Não é surpresa para ninguém. Ataque sempre vai ter, ainda mais por conta de inveja”.
Sem desânimo com o cenário
Mesmo com o fim de casas de shows e o término de algumas bandas marcantes, Henrike acredita que o punk e hardcore sempre viveu momentos de altos e baixos. “É comum. É igual aquele disco do George Harrison, All Things Must Pass, tudo um dia tem que acabar, é um ciclo. O Hangar acabou, o Blind Pigs acabou, mas nas cinzas do Blind Pigs nasceu a Armada. Nas cinzas do Hangar, vai nascer outra casa. Não pode ficar preso no passado. Sempre tem seguir em frente. Sempre vai ter bandas de punk rock nas garagens. Hoje tem muita banda legal, destaco o Não Há Mais Volta, Faca Preta e Subalternos, mas tem muito mais. Essas são as três que tenho escutado mais”.