Entrevista | Abraskadabra – “Pack Your Bags é a gente meio que saindo de uma fórmula”

Entrevista | Abraskadabra – “Pack Your Bags é a gente meio que saindo de uma fórmula”

Com quase duas décadas de estrada e reconhecimento internacional no circuito do ska punk, o Abraskadabra está pronto para virar mais uma página de sua trajetória com o álbum Pack Your Bags, que chegou ao streaming na última sexta-feira (4). Gravado em Gainesville (EUA) com produção de Roger Lima, baixista do Less Than Jake, o disco marca uma guinada sonora e emocional para a banda curitibana, que se prepara para uma nova turnê internacional, incluindo uma aguardada participação no Manchester Punk Festival.

O título do disco funciona como metáfora e convite: é hora de arrumar as malas e encarar novos caminhos. Após os lançamentos de Welcome (2018) e Make Yourself at Home (2021), que consolidaram o nome do grupo fora do Brasil, o novo trabalho reflete uma saída da zona de conforto, da casa, de antigas fórmulas. “É um ponto de transição”, resume o saxofonista e vocalista, Thiago “Trosso”, que conversou com o Blog n’ Roll. “As letras e a sonoridade refletem esse movimento.”

Musicalmente, Pack Your Bags mergulha numa sonoridade mais crua, menos polida, com fortes influências de punk rock melódico e hardcore. Referências como Hot Water Music, Raised Fist e Flatliners se misturam ao DNA ska do grupo, criando um disco intenso e multifacetado. A mão de Roger Lima também foi essencial para o resultado final, ao incentivar um processo mais direto e orgânico, cortando excessos e apostando na força das composições.

Confira a entrevista completa abaixo e ouça Pack Your Bags.

O título do álbum, Pack Your Bags, sugere uma viagem – tanto literal quanto emocional. Como vocês chegaram a esse nome e o que ele representa para a banda neste momento?

O primeiro álbum não tinha uma ideia muito grande por trás do nome, mas é que basicamente a gente gravou e compôs o álbum inteiro na casa do Maka, o nosso baterista, e no jardim da casa dele tinha uma plaquinha escrita “Jardim da Vó Nancy”. Então esse foi o primeiro álbum (Grandma Nancy’s Old School Garden, de 2012). 

Daí no segundo, como a gente estava começando a fazer as coisas com a galera lá de fora, já tinha uma tour nos Estados Unidos, surgiu o Welcome (2018), que também é uma referência à casa, né? Para o pessoal se sentir à vontade. Como a gente tava mostrando o som pra uma galera nova, chamando a galera pra escutar o som da gente na gringa, essa foi a ideia.

Depois veio o Make Yourself at Home (2021), então é uma escadinha. Você está lá, tem o jardim da vó Nancy, daí tem o Welcome, no qual faz o pessoal se sentir à vontade. Depois o Make Yourself at Home já está dentro de casa. 

Pack Your Bags é a gente meio que saindo de casa ou prestes a sair de casa, digamos assim. Muita coisa das letras e da sonoridade do álbum faz menção a gente estar saindo de casa. Tem muita coisa que a gente resgatou do começo do Abraskadabra, acho que tem algumas músicas que são bem cruas, que tem uma energia bem crua, uma guitarra, não tem muita produção. Foi um negócio bem para retratar essa coisa mais crua que a gente teve desde o começo, e começou a brincar com coisas que a gente não brincava antes.

E tem a ver com a sonoridade também…

Esse álbum tem muita referência de um punk rock mais dosado, mas com andamento mais leve. Sempre escutei, mas agora tentei colocar isso na música, uma parada mais Flatliners, Hot Water Music, Against Me. Tem umas duas, três músicas que são bem puxadas para trás, que deu uma balanceada no tempo das canções, mas tem algumas coisas do hardcore também, que trouxemos com It Was A Good Night. Tem bastante coisa de um hardcore mais berrado, tem uma banda que escuto muito que chama Raised Fist, que acho que coloquei nessa música. 

O Du (guitarrista) colocou bastante coisa de um hardcore mais Nova York nos breakdowns dele, com um andamento mais halftime, com a batera bem pegadora e uns riffs de metal junto. 

Então esse Pack Your Bags é a gente meio que saindo de uma fórmula que talvez não tinha esse guia, e agora estamos meio que pouco se fudendo para o que acontece nessa fórmula. A gente falou: ‘vamos tentar umas coisas novas aí, e daí vamos ver’. Provavelmente o próximo álbum vai ter uma continuidade, então vai sair mais ainda da casinha e ir para outro lado. 

O álbum foi gravado em Gainesville com o Roger Lima, do Less Than Jake. Como surgiu essa conexão com ele e como foi a experiência de trabalhar juntos no Moathouse Studio?

A gente teve a ideia de gravar com ele no penúltimo álbum, o Make Yourself At Home. Chegamos a falar com o Roger antes de bater a pandemia. Nos conhecemos lá em Curitiba, em 2005, na primeira vez que a gente tocou com o Less Than Jake. Depois disso acho que a gente tocou com ele mais umas duas vezes lá em Curitiba. Ele sabia da banda, conhecia, a gente deu uma camiseta pra ele uma vez ou outra, e fomos nos encontrando nos Estados Unidos. 

Mantivemos um contato bem distante, mas a gente ficou no radar, sabíamos um do outro. Quando a gente foi gravar o Make Yourself At Home, quando estava no processo de composição dele, entrei em contato com o Roger e falei: ‘ei, a gente está gravando um álbum, se tiver afim de me trampar junto’. Daí trocamos essa ideia, só que bateu a pandemia e parou tudo. Chegamos a discutir de fazer uma consultoria virtual, mandar as músicas para ele dar uns pitacos, mas acabou não rolando nada. 

Agora, quando estávamos discutindo o que fazer com o Pack Your Bags, entrei em contato com ele de novo e falei: ‘chegou a hora do próximo, vamos fazer’. Daí ele falou que era só chegar, passou basicamente o esquema, e fomos para a casa dele, em Gainesville, nos Estados Unidos, onde ele tem o Moathouse Studio. A gente até pensou em levar ele para o Brasil e tal, mas meio que essa conversa nem teve muita continuidade. 

É um dos nossos ídolos e se mostrou muito aberto também. O cara é muito gente boa, foi demais com a gente do começo ao fim do processo. 

Dá pra citar um exemplo prático de algo que o Roger sugeriu e que mudou no álbum?

Trouxe uma sonoridade completamente crua para esse álbum que não podia ser de outra forma. Quando estava produzindo as demos aqui, já tava meio que pensando como seria e tal. Chegando lá, ele estava com uma ideia completamente diferente, que é o que falei no começo. Ele via as músicas e o álbum como uma parada bem punk rock, crua, sem muita produção, sem tentar deixar nada bonitinho, sem ficar dobrando todos os metais, dobrando vocal. 

Ele conseguiu extrair das nossas músicas essa sonoridade bem crua, e mesmo com a sonoridade crua, deixar elas gigantescas. Acho que foi isso que ele trouxe de mais importante: foi tentar fazer a gente ver que no songwriting e na composição das músicas, elas já são o bastante, não precisa ficar adicionando nada pra fazer elas tentarem brilhar. É assim, tudo bem direto, e o resultado foi sensacional. 

O Roger também trouxe várias coisas em questão de arranjos. Na No Strings Attached, o nosso terceiro single, ele estruturou a música de novo. O Du compôs essa música quase sozinho algumas semanas antes da gente ir para o estúdio, e a gente estava com uma décima terceira música para gravar, mas não sabia qual seria. Mandamos três opções para o Roger, mas avisamos que essa estava acabada, mas ele falou: ‘não, essa música tem alguma coisa que dá pra gente mandar bala’. Quando a gente chegou lá, três semanas depois, ele já estava com a música toda estruturada de uma forma diferente, com ideias para o baixo, metais, fez bastante diferença. 

Nas outras, foi mais a personalidade, e teve muita coisa que ele adicionou de arranjos pequenos, coisas que não estavam dentro do nosso plano. 

O álbum trata de temas bem pessoais, como ansiedade, luto e amizade. Foi desafiador lidar com tanta vulnerabilidade nas letras? Alguma faixa foi especialmente difícil de compor ou gravar?

Com certeza, acho que todas, esse álbum foi muito foda de escrever, mas acho que tem uma parada que quando a gente vai amadurecendo, ou ficando mais velho, tanto faz, mas se não deixar a vulnerabilidade tomar conta, a gente continua escrevendo as coisas do jeito que escrevia desde antes. Acho que daí não existe uma evolução na composição, no songwriting, principalmente na letra. 

Acho que o que a gente conseguiu fazer muito dessa vez foi falar as coisas do jeito que elas são, e ao invés de tentar, às vezes, esconder com uma metáfora, ou esconder com uma história, ou esconder com diferentes pronomes e tal, não, acho que essa vez foi assim, essa história é minha, é assim que estou me sentindo, isso que aconteceu, não estou passando pano pra ninguém. Às vezes até me questionei, ou a gente se questionou de falar muitas coisas sobre outras pessoas que estão presentes nas músicas, mas na verdade é assim que a gente trabalha a vulnerabilidade, é assim que as coisas saem da forma mais honesta possível.

Pra mim, com certeza, a mais difícil foi Swings and Roundabouts, o primeiro single, que é sobre basicamente o meu término com a minha ex-esposa, e que teve umas histórias que não foram nem um pouco legais de se passar. Acho que consegui colocar de uma forma bonita, transformar essa dor em arte é uma das coisas que a gente consegue fazer como artista, é uma das coisas mais valiosas que consigo ver em mim como artista. 

Então, esse negócio de ser difícil é meio relativo, porque ao mesmo tempo que é difícil, liberta muito, escrever sobre essa situação, escrever sobre todas as situações que a gente escreveu nesse álbum, acho que libertam a gente de muitos preconceitos que a gente tem da nossa pessoa e da nossa relação com outras pessoas também. 

Escrevendo as coisas do jeito que elas aconteceram, me fazem olhar para aquela obra de arte, que é a música, e pensar que existe beleza nisso também, ou talvez era pra ser assim. 

As músicas que o Eduardo fez também. Ele também tocou em assuntos bem delicados, ansiedade social que ele sofreu, eu não sabia, sou amigo dele há 30 anos e não sabia que ele sofria dessas paradas. Comecei a conversar e ele tinha mais essa questão de esconder um pouquinho sobre o que era a música de verdade. Mas falei: ‘não, mano, vamos com tudo nesse álbum aí, que não é pra esconder nada’. 

A gente se conheceu muito mais também como amigos e como parceiros, escrevendo esse álbum. O Eduardo é meu amigo há décadas, mas o conheci melhor no ano passado gravando esse álbum. Ele é um dos meus melhores amigos, mas conheço ele muito melhor agora do que conhecia antes. 

O Eduardo também falou sobre a morte do pai dele em uma das músicas. A gente está ficando mais velho e os assuntos mais cabreiros começam a vir, e se a gente não usar a música para se livrar deles, não tem outra saída, senão vai se deprimindo, ficando muito internalizado com essas coisas.

A turnê começa agora em abril no Reino Unido, com direito a participação no Manchester Punk Festival. O que o público pode esperar dos shows dessa nova fase? E a tour no Brasil? Vai rolar?

Claro, a tour no Brasil já está 80% marcada, a gente está pra divulgar muito em breve, deve ocorrer entre o final de maio e junho inteiro. Antes, porém, a gente vai começar essa divulgação aqui no Reino Unido. O pessoal chega na próxima quarta-feira e a gente tem uns dez shows marcados aqui, sendo o principal deles o Manchester Punk Festival, que é um dos mais fodas que já fui no mundo inteiro. Tenho tocado lá quase todo ano com a minha outra banda daqui, o Popes of Chillitown. Várias bandas muito foda vão tocar: Manzinger, que é uma puta banda, o Strung Out, Belvedere, tem muita coisa.

A gente está trabalhando com uma agência aqui de booking chamada All Corners Artists, que é de um amigo nosso, o Paul. Ele conseguiu marcar alguns shows, mas quando a gente vem do Brasil. Estamos muito ansiosos, principalmente, pelo Manchester Punk Festival. É o show que pode abrir as portas para outras tours aqui. 

Quais os três álbuns que mais te influenciaram na carreira?

The Beatles – Abbey Road é um álbum conceitual muito foda, principalmente o final dele. Quando escuto, me dá uns três tipos de treco, aquele negócio de emendar uma com a outra. Sempre penso: ‘Meu Deus! Como é que os caras fizeram isso 60 anos atrás, e parece que a parada é de ontem, é muito contemporâneo. E The Beatles foi sempre uma das minhas bandas favoritas.

Em segundo, acho que coloco, não necessariamente nessa ordem, um álbum que ouvi muito e que sempre me dá na cabeça: Sublime – Sublime, o self-titled. Foi o que me introduziu para o ska punk, porque lembro até hoje, indo pra uma praia lá no Paraná, e o meu primo colocando o CD lá pra tocar, acho que tinha uns nove anos de idade. Mudou minha vida, é muito contemporâneo. 

E um dos álbuns que mais escutei na minha vida: And The Battle Begun, do Rx Bandits. Parece que faz sentido tudo e não dá vontade de pular nenhuma música. Também é um álbum bem vulnerável, com muita coisa sobre a vida do Matthew Brie, o vocalista. Tem músicas sobre ele passar por dificuldades para se livrar das drogas. É um dos álbuns que me introduziu para essa vulnerabilidade, e para essa questão de tentar deixar o álbum como se ele tivesse uma consistência, uma coerência entre as músicas.