Por César Miranda (A Tribuna – Galeria)
Sem lançar CD com inéditas há oito anos, Marcelo Nova acaba com o jejum em abril. O novo álbum, que teve participação de um monge tibetano e um escocês, pretende ser algo diferente na carreira do roqueiro baiano.
Acompanhado de sua banda, ele faz show hoje, em Santos, às 23 horas, no Café Central.
“Não sei ainda se vou tocar novas canções. Não costumo antecipar. Quando chega na hora é outra coisa…Tenho 17 discos gravados. O repertório é bem grande. Não vai faltar música pra tocar”.
Nesta entrevista concedida, por telefone, além do novo trabalho independente, o amigo e ex-parceiro de Raul Seixas (1945/1989) fala da carreira, política, Copa do Mundo, renúncia do Papa Bento XVI e o Oscar, com a mesma irreverência de suas canções feitas em 33 anos de carreira.
Sarcástico e marrento, Marcelo, 61 anos, conta que só vai para o estúdio, independentemente do tempo, quando tem algo para dizer. Não há a obsessão de lançar uma vez por ano para ficar em evidência como muitos artistas.
“Se essa questão fosse repensada, muita gente deixaria de gravar. Alguns até para sempre (risos)”.
O último trabalho solo com inéditas, O Galope do Tempo, foi lançado em 2005. Com o título e os nomes das faixas ainda em segredo sobre o novo CD, Marceleza, como é chamado pelos fãs, adianta apenas as participações especiais.
Uma delas é de um monge tibetano que tocou bateria e percussão em mais de metade do disco. O roqueiro o descobriu, por acaso, no estúdio em São Paulo. Ele estava gravando um disco com outros músicos de ordem religiosa para angariar fundos para um projeto no Tibete.
“O monge chamou minha atenção por tocar de forma peculiar. E eu sempre gostei de gente original. Ele não toca bateria ou percussão de maneira convencional. Como tinha um dia para ficar tranquilo em São Paulo, eu o convidei. O que a princípio seria uma ou duas músicas, terminou em várias”.
Zen-mediocridade
E o seu rock ficou mais zen? O baiano fica alguns segundos em silêncio, mas logo dispara: “zen- mediocridade”.
Além do monge, um escocês, gaitista de fole, também contribui. “Independentemente da origem étnica de cada um, o disco tem sonoridades peculiares”, diz, sem revelar, a verdadeira pegada musical do CD.
Mais sério, o roqueiro justifica as apostas. “Essas coincidências quando são utilizadas de uma forma artisticamente criativa são interessantes porque acabam descortinando outras possibilidades. Não vivo me repetindo. Não tenho a intenção de fazer o mesmo som que fazia nos anos 80”.
Agradecido por ter uma carreira sem ser pautado por tendências e modas, ele se considera um cara de sorte porque transformou o hobby da adolescência em trabalho.
“Numa área tão concorrida quanto a minha, e onde tanta gente faz concessões para agradar a quem quer que seja, eu só faço o que quero. Não quero viver pela arte da escravização. Só faço o que é cabível. Não componho músicas para constar ou para agradar”.
Papa e Oscar
Sem pensar em aposentadoria ou renúncia, como fez o Papa Bento XVI, recentemente, ele disse que ainda tem muita bala na agulha.
“Apesar de todo desgaste físico com show e viagens, sou racional no que faço. E imagino que o Papa deve ser, no mínimo, tanto quanto”.
Sobre a renúncia do chefe do Vaticano, o roqueiro comenta: “não deve ser fácil assumir um cargo com tamanho poder. A cortina de impermeabilidade cobre as verdadeiras razões que o levaram à renúncia. Evidentemente, não é porque ele está velhinho. E falar sobre as razões dessa decisão seria mera especulação”.
Em tempos de entrega do Oscar, Marcelo reafirma seu desprezo pela estatueta cobiçada por atores e diretores, e pelo próprio evento.
“Acho uma festa tola e cafona com aquela gente cheia de brilho e paetês. Parece um desfile de escola de samba em terra civilizada”, diz, soltando uma gargalhada.
Embora goste muito de cinema, o cantor diz que não tem o menor interesse no Oscar.
“É uma festa da indústria para premiar a si própria. Aquilo não é uma celebração da arte. Por isso, cada vez mais, gosto de Woody Allen, que está com quase 80 anos, trabalha sem parar, e não dá a mínima para o prêmio”.
E por essas e outras, diz o roqueiro, nunca aceitou participar de premiações em sua área.
“Não faço música para ganhar estátua. Não tem sentido. Sou único. Não tenho com quem concorrer (risos)”.
Folia e política
Avesso ao Carnaval, ele diz que é outra festa que não toma conhecimento, prefere distância.
“Gosto do período de Carnaval porque não participo dele. É uma semana que fico sem sair de casa e aproveito para ler, compor, tocar e beber”.
Enveredando por grandes eventos, Marcelo mostra também repúdio por Copa do Mundo.
“As grandes corporações dominam o mundo globalizado. E não é diferente aí… Tem gente que morre por futebol, eu não. Depois que descobri música, literatura e mulher, futebol (ao lado da política) passou a ser a última das minhas preocupações”.
Sobre o atual momento político brasileiro, ele é cético e crítico. Há mais de 25 anos não vota, e nem faz questão de justificar. O cantor diz que o Brasil precisa de muitas gerações para ser um país sério e oferecer boas condições de vida à população.
“Essas crenças que vocês cultivam para mim já passaram faz tempo. O que conduz um povo é a passagem do tempo. A chegada de novas gerações, as mudanças de comportamento e cultura. Não adianta culpar os políticos pelo nosso fracasso. Temos que culpar a nós mesmos pelo jeitinho brasileiro, a nossa maneira de se comportar”.
Lembranças de Santos
Marcelo Nova gosta de fazer shows em Santos. Aliás, para falar a verdade, gosta mesmo é do público. A Cidade tem um capítulo especial na trajetória do Camisa de Vênus, quando ele era líder da banda. Foi durante um show no Clube Caiçara – que hoje virou um empreendimento imobiliário –, no José Menino, onde anos atrás era point para apresentações de bandas que estavam acontecendo no cenário da música nacional.
Era 8 de março de 1986, dia Internacional da Mulher. “Lembro do palco tremendo. Tinha mais gente do que cabia. Lembro ainda de uma parede de vidro nas laterais banhada de suor. Um calor infernal”.
Neste show, o amigo e ex-parceiro de Raul Seixas recorda outra passagem inesquecível porque jamais foi repetida em outro lugar. Na hora de cantar O Adventista, cujo refrão era “não vai mais haver amor/neste mundo nunca mais”, o público, por conta própria, entoou “não vai mais haver amor/nesta porra nunca mais”.
“Vi meninos e meninas cantando com a jugular quase saltando do pescoço. Pena que não tem vídeo, mas os gritos da plateia estão registrados em CD. Foi um dos momentos artísticos mais gratificantes”.
Segundo ele, naquele momento a música ganhou uma história particular. “Quando vi a cena, imediatamente, ajoelhei e rezei um Pai-Nosso. E não teve jeito, a cada momento, a plateia, novamente, soltava: ‘não vai mais haver amor/nesta porra nunca mais’”.
Serviço: A abertura do show será feita pela banda Maverick 70. O Café Central fica na Rua Frei Gaspar, 43, Centro Histórico. Ingressos: R$ 30,00 (1º lote), R$ 40,00 (2º lote) e 50,00 (camarote). Informações pelo telefone (13) 3219-2569.