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Entrevista | Dave Faulkner, do Hoodoo Gurus – “Nos tornamos música para surf sem sermos surfistas”

Doze anos após o seu último álbum de estúdio, o lendário grupo australiano Hoodoo Gurus está de volta! Em março último, a banda revelou o disco Chariot of the Gods, com 13 faixas (16 na versão deluxe).

O primeiro single do álbum é Carry On, um hino que celebra a resiliência e a tenacidade. Há o explosivo e deslumbrante World Of Pain. Hung Out To Dry, uma ode politicamente incorreta a um ex-presidente laranja, está disponível apenas na versão em vinil duplo de lançamento limitado.

Chariot of the Gods também traz Get Out of Dodge, uma música para todos os não-conformistas por aí, qualquer um que se sinta em menor número e não consiga se encaixar com as expectativas irracionais da multidão, e o punk agressivo Answered Prayers.

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O vocalista e guitarrista do Dave Faulkner conversou com o Blog n’ Roll sobre o novo álbum, pandemia, longevidade da banda e possível vinda ao Brasil. Confira abaixo!

Como foi o processo de gravação de Chariot of the Gods? Quais foram os principais desafios, tendo uma pandemia pelo caminho?

Primeiramente, começamos antes da pandemia. Por volta de novembro de 2019, nós gravamos o single Answered Prayers. Foi a primeira gravação que fizemos com Nic Rieth na bateria, pois Mark tinha se aposentado. E isso foi antes da pandemia, Answered Prayers saiu em dezembro. E tínhamos decidido gravar este álbum já, mas de uma forma diferente, nós iríamos lançar um single depois do outro, gravando uma música de cada vez ao invés de ensaiar para gravar tudo de uma vez.

Então, lançamos Answered Prayers e era hora de trabalhar em um novo single, começamos a ensaiar em janeiro, e agendamos de gravar em abril. Estávamos ensaiando e escrevi as músicas Get Out Of Dodge e Carry On. Estávamos ensaiando elas e me soavam como singles.

Quando iríamos para a gravação, o lockdown aconteceu. Por três meses não pudemos deixar nossas casas, caso não estivéssemos indo buscar algum medicamento, indo ao médico ou buscar comida. Não podíamos ir mais do que 5 km de nossas casas para fazer nada, e claro não podíamos receber visitas, então não nos encontramos por três meses.

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Não chegaram a produzir, nem fazer nada de modo remoto?

Conversávamos ocasionalmente para falar dos negócios, mas não fizemos nenhuma gravação ou ensaio pela internet, não houve composição. Ao fim desses três meses começamos a acreditar que poderíamos estar todos em uma sala juntos, pois nenhum de nós havia ficado doente, e o estúdio em que queríamos trabalhar era muito pequeno.

O cara que gerencia o estúdio é muito cuidadoso em questão ao covid, pois o pai dele, que foi membro da banda Easybeats, não estava muito bem. Então todos fomos muito cuidadosos.

Em resumo, tivemos muita sorte que a pandemia apenas nos interrompeu, mas não nos evitou de fazer as coisas do jeito que gostaríamos de fazer. Talvez o fato de ter adiado o lançamento tenha ajudado o álbum, pois as pessoas gostaram do disco, isso eu sei, mas se o sucesso seria igual, caso não tivesse acontecido a pandemia, não dá para saber.

Hung Out to Dry é uma faixa politicamente incorreta a um ex-presidente laranja? Queria que você falasse um pouco sobre a inspiração.

Nós originalmente pensamos nessa música como um lado B do próximo single, que seria Get Out Of The Dodge ou Carry On. Nós as ensaiamos ao mesmo tempo, no início de 2020. Mas aí escrevi a letra e era tão certo que seria sobre o Trump, que nós desprezamos pelo jeito que estava fazendo política com a situação da pandemia do covid.

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Então, pensamos, como ele está se candidatando para as eleições deste ano? Vamos lançar a música agora e fazer com que as pessoas saibam o que pensamos deste homem.

Fiquei surpreso que não haviam muitas músicas falando sobre isso, pois estava muito claro que ele é uma pessoa horrível, e o jeito que ele explora o lado obscuro da humanidade, apelando para instintos terríveis nas pessoas. Sabe, o jeito que ele usou o povo mexicano como uma desculpa para ser eleito, coisas terríveis.

Essa foi a razão pela qual queríamos lançar a música, e eu também queria uma música que apesar de dizer que Trump é um homem mal, e que odiamos suas políticas, não fizesse as pessoas ouvirem e pensarem que estou falando de um lugar de superioridade, apontando o dedo para os defeitos alheios.

Portanto, fiz uma música falando diretamente com o Trump: “você é um otário, eu te odeio, e eu quero que você suma o quanto antes”. Aliás, eu quero que as pessoas, independentemente se apoiam ou não o Trump, sintam a minha raiva. Por isso escrevi deste modo, ao invés de falar de um local de superioridade falando de outra pessoa.

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Answered Prayers segue algo semelhante, não?

É a mesma coisa com Answered Prayers. É uma canção muito obscura também, sobre um relacionamento abusivo, e canto da perspectiva do abusador. Você pode ouvir ele manipulando, dizendo o quão inútil a outra pessoa é, e que trai ela quando tem vontade.

As coisas ditas na música são terríveis, mas quero que as pessoas sintam uma conexão pessoal com aquilo, para não conseguirem desviar a atenção, e dizer que é problema de outra pessoa, não é, é seu problema, estou falando com você.

Achei que foi um jeito muito bom de escrever uma música, bem obscuro, e sinto que é uma música feia, e me sinto meio aterrorizado com ela, mas é muito verdadeira.

É sobre algumas pessoas que conheço, na verdade sobre dois casais, que conheço agora, que tiveram essa dinâmica bem tóxica em suas relações, e um parceiro tratava o outro terrivelmente, e eles continuavam nessa. E é algo que exploro nessas músicas.

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Answered Prayers foi a primeira música a ser escrita ou há outras mais antigas?

Tem uma música mais velha, Settle Down. Na verdade, escrevi há 20 anos, e é engraçado pois essa música é sobre envelhecer, e sentir que as pessoas estão te ignorando por você ser velho demais. E escrevi há 20 anos, e estou muito mais velho agora que estou cantando ela. Mas sempre gostei dessa música, e foi escrita na época de Mach Schau, nosso álbum de 2004. Nós nunca tínhamos gravado ela, nem sequer ensaiado.

Mas falando em geral, não costumo escrever músicas e guardá-las, poucos músicas deixei guardadas prontas, geralmente escrevo músicas quando o álbum vai ser gravado, e ao invés de ter uma música inteira, na maioria das vezes, crio uma melodia ou um riff de guitarra, durante as compras ou fazendo exercício.

Aí pego meu celular e registro ela, e quando é tempo de iniciar um novo álbum eu retomo essas gravações para a compor, então a maioria das músicas são sempre novas.

Answered Prayers, por exemplo, nós estávamos tocando, pensando sobre trabalhar em novas músicas, e no caminho de volta do ensaio, o som da guitarra me veio à mente enquanto dirigia. Então parei o carro, gravei, e no dia seguinte trabalhamos em cima disso e comecei a cantar uma melodia. Tomando café na manhã seguinte, escrevi a letra. Pronto, estava finalizada.

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Escrevi a letra em dez minutos, e não mudei nenhuma palavra, pois é uma história pela qual passei, como lhe disse, há alguns anos. E tem algumas músicas nesse álbum, na verdade, sobre esse relacionamento de uma amizade que sofria abusos do parceiro. Infelizmente essa amizade terminou pois o parceiro da pessoa pediu para que ela parasse de me ver, mesmo sabendo que éramos amigos há muito, muito tempo.

Essa relação interrompida parece estar em outras canções do disco, não?

My Imaginary Friends também trata dessa situação, e partes de outras músicas também. Era uma amizade muito antiga, era uma das pessoas que estava na festa de Miss Freelove 69, uma música nossa do disco Kinky, de 1991. A música fala de uma festa que dei no meu apartamento, e ela estava nessa festa, era a minha melhor amiga por 34 anos.

E tenho um amigo, agora, que a esposa dele é tóxica, ela bate nele. E temos provas disso, tem uma foto no meu celular, quando ele estava dormindo e ela bateu nele na cabeça com uma garrafa ou algo parecido, deixou ele com o olho roxo.

Existem traumas nas pessoas que antecedem essas relações, e a pessoa tóxica se utiliza disso para manipular o parceiro, sem eles perceberem que tem que sair dessa, e continuam dentro desse abuso.

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Foram dez anos sem um álbum de inéditas do Hoodoo Gurus. Como foi esse período? O que mais sentiu falta nesse período?

Senti falta de fazer um álbum, nós queríamos fazer um álbum. O problema foi a aposentadoria do nosso baterista, e nós fizemos o álbum Purity of Essence há 12 anos. Terrível! Quer dizer, é um ótimo álbum, mas 12 anos é muito tempo.

Então, Mark, após alguns anos, ele não nos disse, mas ele decidiu que queria se aposentar. Ele tinha dinheiro suficiente guardado na conta, fez um plano de aposentadoria, estava cansado de tocar ao vivo e fazer turnês, não gostava mais.

E não nos contou por um tempo, mas quando finalmente contou, ficamos pensando se continuaríamos com a banda ou não, pois sempre dissemos que se um de nós saísse a banda terminaria, pois mantemos a mesma formação de 1989.

Rick Grossman entrou na banda antes da gravação de Magnum Cum Louder. Foi o primeiro álbum com ele no baixo, e não mudamos a formação desde então. Então pensamos que talvez não pudéssemos tocar com mais ninguém. Mark é um ótimo baterista e seu estilo é tão perfeito, não podíamos imaginar essa mesma química com outro artista.

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Portanto, basicamente, ficamos esperando o Mark desistir, vamos continuar enquanto ele continuar tocando, e depois vamos ver o que fazer. Então tivemos que esperar mais alguns anos, e nisso se passaram cinco ou seis anos.

Aí Mark saiu, Nic entrou na banda e decidimos que iríamos continuar, mas algo parecia errado, pois sentíamos falta do Mark. E depois de 18 meses Mark pediu pra voltar, pois se cansou da aposentadoria. O que ele também não nos contou era que ele fez uma reforma na casa dele: comprou uma cozinha nova e custou muito mais dinheiro do que ele esperava, então ele queria ganhar dinheiro também.

Mas o que aconteceu após esse retorno?

Estávamos felizes pela volta, animados. No entanto, dez meses depois, ele falou que estava certo, não conseguia mais, que era muito difícil para ele, então ele saiu de vez.

Em resumo, foi isso. Ficamos pensando o que fazer, não tínhamos certeza em relação ao Nic, mas esses outros bateristas não soaram bem. Então percebemos que Nic era a pessoa certa, e trouxemos ele de volta para iniciar o projeto, isso tudo demorou dez anos.

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E qual foi o ponto de partida para seguir com Nic?

Provavelmente oito meses depois da volta de Nic, gravamos Answered Prayers. Foi quando soubemos que iríamos gravar um álbum, esse era o objetivo. Se nós continuarmos, tínhamos que lançar um álbum.

A parte de tudo isso, com o Mark e tal, eu estava tentando fazer outras coisas, me tornei um jornalista de música, fazendo críticas de álbuns, mas mais como um hobbie, não era um emprego, me pagavam, mas não era bem um trabalho. Fiz isso por cinco anos em um jornal da Austrália. Fazia isso e alguns eventos, pois Mark não queria gravar um disco, pois isso significaria fazer turnês e ele não queria isso.

Ele só queria tocar em shows que pagassem bem para ficar em uma situação confortável, não ter uma turnê. Então estávamos limitados com Mark.

Nós tínhamos um festival chamado Dig It Up, que vinham bandas de todo o mundo, os Fleshtones tocaram, Redd Kross, os Sonics, todas essas bandas tocaram a nosso convite e nós fomos os headliners.

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Foi um grande festival, em várias cidades, nós tocamos nosso primeiro álbum nos shows, e fizemos isso no ano seguinte também. Além disso, cinco anos atrás reunimos todos os antigos membros da banda, incluindo desde o início. E tocamos com diferentes formações da banda em um show. Essas foram as coisas que fizemos enquanto não podíamos fazer um álbum, só para manter todos entretidos.

Moro em uma cidade litorânea, Santos, e os campeonatos de surfe sempre contaram com o Hoodoo Gurus nas trilhas sonoras. Qual é a relação de vocês com o esporte?

Isso é engraçado, pois nenhum de nós surfa, e moramos perto da praia, provavelmente 500 metros de distância de uma praia famosa em Sydney. Não necessariamente a melhor para surfar, é mais turística, tipo Copacabana, bem famosa. Mas, no início da nossa carreira, foram os surfistas de Sydney que nos descobriram, e nos fizeram de trilha sonora.

Posteriormente, os surfistas se espalharam pelo mundo, e eu sei que os australianos encontravam o brasileiros no circuito de surf, e nos apresentaram aos brasileiros, e eles levaram nossa música para o Brasil.

Também houveram alguns filmes de surf que utilizaram nossas músicas na trilha. Um, em especial, que não me lembro o nome, teve três ou quatro músicas nossas na trilha. Isso nos fez conhecido pelo mundo todo.

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Na Califórnia também aconteceu isso, os surfistas espalharam a palavra. Nós nos tornamos música para surf sem ser surfistas, assim como os Beach Boys, mas eu sei que Dennis Wilson era surfista, mas Brian não era, e acho que Carl também não.

Após essa experiência como jornalista musical, você ainda busca por novos artistas?

Devo dizer que não escuto muita música nova. Fazia isso enquanto trabalhava no jornal, mas tive que parar, queria deixar minha mente limpa da música de outras pessoas, para poder escrever minhas próprias músicas. E também tenho vários CDs comprados que ainda não ouvi, pois sempre tinha que estar ouvindo o que era novo para fazer críticas.

Acabei até ficando enjoado de ouvir músicas. Agora só ouço as coisas que me interessam e não sinto muito a necessidade de buscar coisas novas. E existem músicas por aí que nunca passaram pelos nossos ouvidos, em todo lugar do mundo, prefiro me ater a isso do que buscar qual é a tendência.

Podemos esperar uma turnê do Chariot of the Gods no Brasil?

Por favor, nós queremos, por favor. Nós falamos sobre voltar para o Brasil muitas vezes, nós quase fomos umas duas ou três vezes, mas acabou declinando de última hora. Tivemos muitas decepções, mas ano que vem adoraríamos ir. Estamos conversando com pessoas agora, novamente, para conseguir tocar aí.

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E queremos voltar para uma grande turnê, não apenas dois ou três shows. E se conseguirmos o promoter certo, nós vamos estar lá, nada nos impede além disso. Não ligamos se não ficarmos ricos, apenas não queremos perder muito dinheiro.

Consegue mencionar três álbuns que mudaram sua vida? Por que?

Número 1 poderia ser dois álbuns dos Beatles, mas direi apenas um, o segundo deles, With The Beatles. Eu amo esse álbum, era uma criança quando ouvi, mas também Revolver, então direi esse.

Cresci com um irmão mais velho que ama música, e ele tinha um emprego, então conseguia comprar muitos discos. Ouvia, Beatles, Rolling Stones, e lembro de ouvir as músicas novas deles, Satisfaction, há muito tempo.

Depois disso diria Deep Purple. Made In Japan é um ótimo álbum. Eu tinha uma banda no colégio e tocávamos músicas dos Beatles, Creedence Clearwater Revival, Suzi Quatro e T-Rex. Não ligávamos se as bandas não combinavam, só pensávamos que gostávamos dessa música, daquela música e tocávamos.

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Logo depois, Ramones. O primeiro álbum foi super importante pra mim. Pra mim os Ramones foram a pedra de roseta, foi muito elucidativo. Entendi o motivo de não gostar de Genesis, eu gostava de rock n’ roll. Essa energia, as letras divertidas, a música é brilhante, é pop, mas também rock.

Por fim, posso resumir que os mais importantes são Beatles e Ramones. Eu amo Deep Purple, mas esses dois são os mais importantes para mim.

*Entrevista e tradução por Isabela Amorim

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