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Foto: Alexandre Wittboldt

Entrevistas

Entrevista | Inocentes – “A gente não gravou acústico para fazer sucesso”

Desplugar o som, mas sem perder a fúria. É dessa forma que o Inocentes encara o novo projeto acústico Antes do Fim, que teve cinco faixas adiantadas pelo EP Não Acordem a Cidade, na terça-feira (25). O álbum cheio, previsto para o início de agosto, será lançado pelo selo Red Star Records em LP.

Produzido por Henrique Khoury, Não Acordem a Cidade conta com as faixas O Homem Que Bebia Demais, A Noite Lá Fora, Não Acordem a Cidade, Expresso do Oriente e São Paulo.

As músicas escolhidas para a divulgação do EP – Expresso do Oriente e a faixa-título, foram originalmente lançadas no álbum Pânico em SP de 1986. 

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“Pode parecer estranho, mas Não Acordem a Cidade foi escrita em 1979, quando eu ainda era baixista do Restos de Nada. Ela ficou guardada até 1986, quando o Inocentes decidiu gravá-la. O clima de viajante noturno, pelos becos e vielas da cidade, permeia toda a música”, conta o vocalista, Clemente Nascimento.

A banda destaca ainda, a faixa Expresso Oriente, que traz reflexões bastante contemporâneas. 

“Ela tem uma atualidade impressionante. Um amigo palestino me falou anos atrás, que era a única música que ele conhecia, fora do Oriente Médio, que citava os palestinos e me agradeceu muito, fiquei emocionado, não sabia dessa relevância”, diz Clemente.

Confira abaixo a entrevista do Blog n’ Roll com o vocalista do Inocentes, Clemente Nascimento.

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Como surgiu a ideia de gravar um projeto acústico? 

Tudo surgiu na pandemia, né? Fiz vários shows acústicos e tal, fiz para o Sesc, para a Secretaria de Cultura, também para pagar o aluguel. E aí o resto da banda curtia, tive que adaptar as músicas para essas versões. Então foi pura necessidade.

Comecei a fazer vários projetos, às vezes não tinha show nem do Inocentes, nem da Plebe. E esse era um formato que eu conseguia chegar em vários bares, era acústico. 

Aproveitei aquele repertório que já fazia para esses acústicos, shows, lives. Logo depois, fui adicionando umas músicas, uns covers e tal. Depois comecei a fazer vários shows e vi que as pessoas curtiam. E o próprio Inocentes, os caras curtiam.

O projeto nasceu como uma opção de show. E aí a gente foi ensaiar e tal, foi ficando legal, ficando legal, então decidimos gravar essa porra.

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Mas você não imaginava gravar um acústico, certo? 

Não era a ideia… Até porque a gente não gravou para fazer sucesso, pelo contrário. (risos)

No Brasil não é muito comum uma banda punk gravar suas músicas em formato acústico, algo que já vimos com Rancid, Social Distortion, entre outras bandas gringas. Você acredita que pode haver resistência por parte do público? 

Ah, pode ter, mas a gente gravou mais para o prazer pessoal mesmo, né? Então, foda-se se não gostarem.

Aqui é engraçado, né? As pessoas são cheias de criar coisas, limites e tal, que no punk lá fora não tem. É uma coisa bem característica daqui.

Dez anos atrás a gente tocava Nem Tudo Volta e todo mundo ficava com uma cara meio assim. Aí eu fui ver um show do Social Distortion e as músicas estão todas nesse pique. Todo mundo com o celular aceso, uma coisa linda. 

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Aqui não pode, né? É um pouco do cara ser provinciano. Mas hoje em dia a gente toca Nem Tudo Volta e todo mundo curte. Tá mudando um pouco.

Isso é punk, né? Tudo isso faz parte do universo punk, não? Tem bandas que tocam mais rápido, bandas que tocam mais na linha do 77. 

Vejo muita merda sendo tocada rápida, todo mundo falando que é hardcore, mas o cara falando um monte de merda. Hardcore não é só tocar rápido. É o conteúdo, conteúdo pesado.

Como foi a curadoria dessas músicas do projeto acústico? 

A gente fez um álbum, o Estilhaços (1992), que é quase acústico, só que essas músicas não são muito conhecidas. A gente não toca mais porque a gente voltou para essa cena punk, mas era uma formação que tinha o Mingau, o Cesar Romaro e meio que puxou para esse lado, entendeu? Os caras acham que sou eu que determino os negócios, mas não é assim que funciona.

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O Inocentes tem uma discografia que é praticamente inteira atemporal. Como você se sente quando vê que pouca coisa mudou mesmo após décadas?

Aí entra a coisa do conteúdo, né? A gente fala que às vezes o cara pode tocar rápido, tocar barulhento, tocar pesado, mas o que ele fala daqui duas semanas já ficou velho. As músicas contra o Bolsonaro, por exemplo. É uma tendência, uma coisa que às vezes o tipo de abordagem que você faz é que determina que ela tenha longevidade.

Ruas, álbum de 1996, retrata bem essa questão da atemporalidade.

Porque não mudou porra nenhuma. É bom e ruim, né? O mundo continua no mesmo caminho ainda, algumas pequenas mudanças, mas é foda.

Como é que você reage quando vê comentários como “o Inocentes, o Ratos e o Garotos Podres eram mais legais quando não falavam de política”? 

É quando você sai daquele gueto, né? O gueto que você era, aquele núcleo duro do punk. Apesar de até lá, nesse gueto, teve gente que já ficou surpresa. As pessoas não entendem muito bem o que você tá falando. A gente é que tem uma superestima de que é tudo super compreendido, né? 

Mas tem gente que nunca leu um livro, mas gosta da música, entende? Na minha própria gangue punk, da Vila Carolina, tinha cara que tinha tese de mestrado, tava na faculdade lendo tudo, mas também tinha cara que tomava cachaça, punha jaqueta e era punk, né, mano? “Vamos lá destruir o sistema”. Que sistema? É complicado.

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A gente superestima o rock, como se o rock fosse só feito de pessoas super intelectuais, conscientes, mas não é isso. O cara ouve, gosta e tudo bem, mas aí um belo dia ele vai entender as letras. 

Sei bem como é esse perfil. Tem muitos assim aqui em Santos. “Que absurdo! O cara tá defendendo isso, ele é de esquerda”.

Sabe o que é louco? Eu sou de esquerda, mas, muitas vezes, a abordagem nem é de esquerda ou de direita. É uma crítica social, muitas vezes. Pode ser resolvida de um lado ou de outro. Pra mim tanto faz. 

Se tivesse políticos de direita minimamente sérios, que resolvessem os problemas, mesmo usando o viés capitalista. Mas a verdade é que quem tem preocupação social são os políticos de esquerda, que nem estão agindo como esquerda, mas como sociais democratas. Eles estão no limite ali.

Eles não estão fazendo a revolução comunista. E os caras da oposição falam como se fosse isso. Ou seja, a burrice é muito maior.

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Clemente, voltando para esse projeto acústico, vocês pretendem excursionar com ele? 

A ideia é ser um projeto curinga. O show do Inocentes continua, o formato elétrico e tal. Mas a gente quer ir pra outros lugares e de repente poder fazer um show diferente.

Enche o saco também tocar as mesmas coisas do mesmo jeito o resto da vida. É bom dar uma variada, né? 

Vejo que tem muita gente que gosta, mas não vai mais. Ouça, tem gente que mantém aquela coisa e tal, mas tem gente que não quer ir no lugar tosco, cheio de gente se batendo. 

O cara gosta, tem os discos e tal, mas vai lá e quer ver um show sentado, poder levar a mulher e tal. Então a ideia é ter os dois projetos, tanto o elétrico quanto o acústico.

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Tipo levar pra um Sesc, levar pra um teatro, fazer alguma coisa diferente. E às vezes, no teatro, a gente pensa numa iluminação, num show diferente.

Mas não vamos abrir mão do elétrico. A gente fez um show em Campinas que foi um absurdo. Era uma criançada cheia de energia. Cara de 17, 18, 19. Mano do céu, né? Doido, foi super legal.

Tem uma renovação, né? 

Sim, isso continua. Mas a gente tem vários espaços que a gente poderia fazer e tal. Até porque a gente não é uma banda que se encaixa no metal, por exemplo… Que é uma coisa que o Ratos tem, ele se encaixa no público de metal. A gente não. Eu não tenho esse apelo pro metal. Não é uma praia que o Inocentes navega.

Mas o Ratos cabe em festival de metal. A gente já tocou com muita banda de metal, é muito legal. Mas não digo nem pela banda, mas pelo público. 

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Você falou dessa molecada que foi no show lá em Campinas e você também é um cara mega antenado. Você ainda acredita em um cenário forte?

Todo final de semana tem show de banda punk em São Paulo, em lugar pequeno e tudo. Tá sempre rolando. 

Tem várias bandas novas: Pat e os Condenados, Sociopatas, Fibonattis, que é bem foda. 

Mas as bandas velhas também estão tocando. Tá todo mundo aí. O show do Flicts, no último fim de semana, estava lotado.

E tem bandas que aquela geração antiga pode não considerar punk, mas pra mim tem toda uma atitude. São bandas como Anônimos Anônimos, Molho Negro, Der Baum, Jonnata Doll e os Garotos Solventes

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Não temos rock na grande mídia. Então, isso gera esse pensamento de sumiço do rock. Esse público está habituado a ser impactado por aquelas mídias. Ele fica esperando tocar na rádio, fica esperando aparecer na Globo, o clipe no Fantástico. E ele não é um cara que vai furar a bolha para ouvir o que está acontecendo. 

Quais foram os três álbuns que mais te influenciaram na carreira?

Difícil, hein? É difícil porque essa coisa vai meio que mudando. London Calling, do The Clash, é um álbum que gosto muito. 

Mas, dependendo da época, esses álbuns vão mudando, né? Você pega o Rancid, por exemplo. Você falou do Ruas, certo? Ele é de uma época que eu tinha uma loja na galeria e comecei a ouvir Rancid.

Falei: “caralho, mano? Que legal, que banda foda! 1995, época do … And Out Come The Wolves. Depois disso, fiz o Ruas.

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O Ruas foi inspirado por essa nova onda punk, né? O Rancid tava ali, Face to Face, tudo aquilo ao mesmo tempo. 

Agora, por exemplo, eu tô ouvindo o IDLES, que é muito bom também.

Tem a Amyl and the Sniffers, né? Ouvi falar dela em 2019. Estava lá em Londres com um amigo e ele me apresentou. Vi o nome, achei foda e fui ouvir mais sobre a banda.

Agora, voltando ao que influencia, uma das coisas que influenciou o acústico foi uma versão do Joe Strummer para Redemption Song, do Bob Marley, com violão, uma versão acústica, caralho, isso ficou legal pra caralho. 

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Logo depois, ouvi também o Social Distortion fazendo coisas incríveis em um formato mais acústico.

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