Uma tarde histórica no Hyde Park com Rolling Stones e companhia

Depois de assistir o Rolling Stones no Anfield, em Liverpool, o que mais poderia ser especial no tour do Blog n’ Roll pelo Reino Unido? Assistir a maior banda de todos os tempos no Hyde Park, palco de shows memoráveis do Rolling Stones. Felizmente tivemos essa oportunidade.

Foi a primeira apresentação oficial do Rolling Stones em Londres desde a morte de Charlie Watts. Oficial porque antes já haviam feito um tributo fechado para amigos e familiares no lendário Ronnie’s Scott.

Atração principal do British Summer Time (BST Hyde Park), o Rolling Stones teve a companhia de bons nomes na abertura: Vista Kicks, Phoebe Bridgers e The War on Drugs.

Na plateia, muito sol e um vento terrivelmente gelado a partir do meio da programação do festival. Público de várias nacionalidades, com destaque para argentinos e espanhóis que cantavam de forma ininterrupta o dia inteiro.

Vista Kicks

O Vista Kicks foi a primeira banda a se apresentar. Confesso que não conhecia o trabalho deles, mas foi uma grata surpresa. Eles são de Los Angeles, mas estão baseados em Sacramento.

O Vista Kicks é muito nostálgico. Parece ter saído da esquina da Haight com a Ashbury, em San Francisco, o coração dos hippies nos anos 1960, tanto pela sonoridade quanto pelo figurino.

Gimme Love, do álbum de estreia Booty Shakers Ball, é um baita exemplo da pegada sonora do Vista Kicks. Se você fecha os olhos, certamente imagina os caras no The Ed Sullivan Show, nostálgico programa dos anos 1960.

Mas além dos três álbuns, que tiveram canções selecionadas para esse setlist, a banda também divulgou um pouco do último EP, Sorry Charlie, lançado em março. All or Nothing, apesar de distanciar um pouco da sonoridade sessentista, casou muito bem com o ambiente.

Phoebe Bridgers

A cantora californiana Phoebe Bridgers está excursionando pelo Reino Unido com a Reunion Tour, que já passou pela América do Norte. Na Inglaterra, realizou dois shows marcantes: um no Glastonbury, outro no Hyde Park, abrindo para o Rolling Stones.

No Hyde Park, estava bem elegante. Vestindo um top brilhante e um terninho preto, falou algumas vezes sobre o quanto estava honrada em tocar em um evento com o Rolling Stones.

A apresentação, porém, ficou marcada por um discurso furioso contra a Suprema Corte dos Estados Unidos, que acabou com o direito constitucional ao aborto.

Pheobe liderou os gritos dos fãs de Foda-se a Suprema Corte. “Quem quer dizer, foda-se a suprema corte? Um dois três”, sendo atendida prontamente. 

Na sequencia, discursou: “‘Foda-se essa merda. Foda-se a América e todos esses velhos filhos da puta irrelevantes tentando nos dizer o que fazer com nossos malditos corpos. Foda-se”.

Phoebe abriu o show com Motion Sickness, do seu álbum de estreia, Stranger in The Alps (2017). Depois se dedicou em tocar o máximo que pudesse de Punisher (2020), segundo disco de estúdio. No Hyde Park, cantou oito das 11 faixas.

Sidelines, single mais recente de sua discografia, lançado em abril, foi quem quebrou a sequência de Punisher.

O público demonstrou não conhecer muito o repertório de Phoebe, mas foi extremamente educado e gentil com a cantora o tempo todo.

The War on Drugs

Dos EUA também veio a terceira e última atração de abertura do palco principal do Hyde Park: The War on Drugs, direto da Filadélfia.

Aqui o público já parecia mais familiarizado com o repertório. Mas a proximidade do Stones já fazia com que os fãs fossem ao banheiro pela última vez ou garantisse a última leva de cerveja e comida. Vale destacar que a variedade era imensa no Hyde Park: de comida peruana até japonesa, passando por paraguaia até mexicana, italiana até os tradicionais fish and chips locais.

Mas voltando ao show do War on Drugs, Adam Granduciel e companhia souberam agradar os fãs do Stones. Montaram um set redondinho para quem não arredou o pé da frente da grade, o meu caso.

Com cinco álbuns de estúdio, a banda simplesmente ignorou os dois primeiros, dedicando boa parte do set para dois discos: I Don’t Live Here Anymore (2021) e Lost in the Dream (2014), com cinco e três faixas, respectivamente. A Deeper Understanding (2017) também foi lembrado com uma canção.

Under the Pressure e In Reverse, ambas de Lost in the Dream, foram deixadas para o fim e receberam grande apoio do público no sing along. Deixou uma ótima impressão no Hyde Park.

Rolling Stones

Atração principal do festival, o Rolling Stones subiu ao palco para celebrar uma marca histórica: 60 anos do primeiro show da carreira, que aconteceu em 12 de julho de 1962, no extinto Marquee Club, não muito longe do Hyde Park.

A apresentação em Londres esteve ameaçada por alguns dias em função da saúde de Mick Jagger. O vocalista contraiu covid e precisou cancelar alguns shows que estavam marcados para o período entre Liverpool e Londres, todos em junho. A única data remanescente foi no San Siro, em Milão, quatro dias antes. 

Tal como fez no Anfield, em Liverpool, a banda iniciou o show com um lindo tributo a Charlie Watts no telão. Imagens de vários momentos do falecido baterista com os amigos.

No repertório, foram poucas alterações na comparação com o show de Liverpool. Começou com Street Fighting Man, 19th Nervous Breakdown, Tumbling Dice e Out of Time.

A primeira novidade surgiu com She’s a Rainbow, que foi sucedida por You Can’t Always Get What You Want, essa que foi protagonista de um dos momentos mais lindos do show, com o público cantando a plenos pulmões enquanto a noite chegava.

Living in a Ghost Town, feita durante a pandemia do coronavírus, foi muito bem recebida pelo público. Parecia até velha integrante dos repertório da banda.

Can’t You Hear Me Knocking, do Sticky Fingers, que não era tocada desde 2016, foi resgatada pela banda. Baita acerto! Quem vai ao show do Stones, sempre espera por esses resgates históricos.

Honky Tonk Women veio na sequência para Jagger brilhar como nunca. Aos 78 anos, ele dança, rebola, corre pela passarela do palco com a mesma disposição de garotos de 20 e poucos anos.

Na sequência, um breve intervalo para Jagger descansar. Keith Richards assume os vocais, sendo recebido com gritos eufóricos dos fãs. Slipping Away e Connection foram as escolhidas.

Com o retorno de Jagger ao palco, o caminhão de hits passou com tudo: Miss You, Midnight Rambler, Paint It Black, Start Me Up, Gimme Shelter, Jumpin’ Jack Flash, Sympathy for the Devil e (I Can’t Get No) Satisfaction vieram para colocar a energia do palco no topo.

Não importava mais o frio, cansaço de várias horas em pé, o sol que bateu na cabeça em boa parte do dia. Essa sequência final do show mostrou o motivo do Stones ser incomparável, a maior banda de rock de todos os tempos. E não tem discussão. Perfeição em todos os sentidos. 

É claro que Keith Richards já não tem a mesma disposição de outros tempos. Ron Wood está muito bem, tal como Jagger, já mencionado aqui. 

O baixista Darryl Jones e o baterista Steve Jordan casam bem demais com a formação. Aliás, Darryl poderia ser oficializado como membro da banda. Já são quase 30 anos no lineup.

Sasha Allen no backing vocals, também é um show à parte. Jamais imaginei que alguém pudesse ser tão explosiva como Lisa Fischer, que veio com o Stones ao Brasil na turnê do Voodoo Lounge, mas ela dá conta do recado muito bem.