“As bocas de São Paulo, lá perto do Ipiranga, eram mais comportadas. Tínhamos que tocar Roberto Carlos, as coisas da Jovem Guarda, o som era mais baixo. Em Santos era diferente. Era Cream, Rolling Stones, The Who, Joe Cocker, e uma ou outra dos Beatles. Era um público estrangeiro. O pessoal do porto queria ouvir aquele rock que estava em alta nos países deles”.
O relato é do baterista Miro Caldeira, ex-integrante do Union Beat, banda considerada uma das mais relevantes da Baixada Santista na segunda metade dos anos 1960.
Natural de São Paulo, Caldeira conta que os músicos de Santos e São Paulo viviam em um intercâmbio constante entre as bocas. Mas quando conheceu a santista, não teve dúvidas: se mudou com mala e cuia para a região central de Santos.
“O Union Beat tocou entre 1968 e 1971. Durante muito tempo, eu vivi nos bares da boca. Dormia no balcão do bar, acordava, comia pastel, voltava para o bar. E fiquei assim por muito tempo mesmo”.
Os bares, ou night clubs, como eram batizados, seguiam uma estratégia de marketing que parecia funcionar e, ao mesmo tempo, dava um toque cosmopolita à boca santista: Bergen, Suomi, Oslo, Zanzibar, Porto Rico, American Bar, Hamburg Bar, Akropolis, Casablanca, entre outros, piscavam seus luminosos em neon de uma forma marcante para quem ali viveu momentos de alegria e rock and roll.
Raimundo Vigna, que tocou em várias bandas nos tempos da boca, entre 1964 e 1971, resume bem o sentimento dos músicos naquela fase.
“Hoje já rola a calça rasgada, mas naquela época rasgávamos as próprias calças. A nossa vida era a real que o Rolling Stones vendia, mas não era. Eles moravam em castelos, nós não”.
O Union Beat, banda do Miro Caldeira, conseguiu uma proeza à época. Tocava e era bem aceito tantos nos bailes dos clubes da Ponta da Praia como nos “inferninhos” da boca. Formado por Rico (guitarra solo/voz), Lory (baixo), Toni (guitarra base) e Miro (bateria), o Union Beat era conhecida por tocar tanto o rock sujo (Rolling Stones, Cream e The Who) como Beatles (em plena a Beatlemania).
“Mantivemos nossa formação do início ao fim. Tínhamos muita sintonia. Outras bandas não duravam muito ou os integrantes migravam o tempo todo para outros grupos”, diz. “Além disso, buscávamos os LPs (vinis) direto nos navios com o pessoal do porto. Íamos para Capital comprar revistas importadas para tocar tudo direitinho”, completa.
Premiada com troféu em competição de bandas, o Union Beat sempre teve reconhecimento por parte da imprensa local. Era presença constante em A Tribuna, segundo Caldeira.
O fim da banda
A vida desregrada levada por Caldeira, no entanto, resultou em um problema sério de saúde e, consequentemente, ao fim do Union Beat.
“Fiquei três meses internado com tuberculose. Quando sai do hospital, não tinha mais clima para a banda. Infelizmente”.
Hoje, 45 anos depois do fim do Union Beat, Caldeira afirma que não tem mais contato com os companheiros de banda. “O Lory mora em Santos, mas já não conversamos há tempos. O Toni sumiu.
Algumas pessoas dizem que ele morreu, outras falam que ele está morando fora. E o Rico, infelizmente, faleceu”.
Ao falar de Rico, o baterista demonstrou muito carinho pelo ex-companheiro de banda. “Ele faleceu de forma trágica, acho que no início dos anos 2000. A guitarra dele caiu no mar, ele pulou para buscar, mas foi prensado pela balsa. Uma pena! Acredito que se o Rico estivesse vivo, ele estaria tocando até hoje. Aquele cara era músico mesmo”, comenta.