A banda Charlotte Matou um Cara está prestes a viver um dos momentos mais marcantes de sua trajetória: uma apresentação no Lollapalooza Brasil. Com dez anos de estrada no cenário underground, o grupo tem conquistado reconhecimento com suas letras combativas e sua sonoridade intensa.
Em entrevista ao Blog n’ Roll, as integrantes Dori (bateria) e Camis (baixo) falaram sobre a expectativa para o festival, o impacto da viralização no TikTok e a importância de ocupar espaços na cena punk e hardcore, historicamente dominada por homens.
O convite para o festival, aliás, pegou a banda de surpresa – tanto que, no início, acharam que fosse um golpe. “A gente até pesquisou para ver se era real, porque parecia bom demais para ser verdade”, conta Dori. Mas era oficial: o Charlotte Matou um Cara subiria ao palco de um dos maiores festivais do país, levando seu punk combativo e sua energia visceral a um novo público.
O setlist do show promete um panorama completo da discografia da Charlotte Matou um Cara, com músicas dos dois álbuns e uma participação especial. “Vai ser um show para quem já nos acompanha e também para quem conheceu a gente pelo viral”, explica Camis.
A viralização, aliás, foi um fenômeno inesperado: “Descobrimos porque o filho da nossa vocalista avisou que tinha vários vídeos com a nossa música rolando no TikTok”, explica Dori.
Confira a entrevista completa abaixo.
Como está a expectativa para o Lollapalooza?
Camis: A gente está completando dez anos, tocou em vários palcos, vários lugares. A trajetória no underground é bem extensa. Mas um palcão assim, num festival tão grande quanto o Lollapalooza, é algo bem novo para a gente.
É um grande festival que a gente talvez só tinha no imaginário. Como chegar nisso dentro de uma cena underground? É bastante maluco. Tá meio que caindo a ficha ainda, assim. Acho que só vai cair a ficha mesmo no Lollapalooza.
Dori: O convite do Lollapalooza acabou vindo por conta dessa viralização do Punk Mascuzinho que a gente teve no TikTok.
Vocês já têm um set definido? O que o público pode esperar do show da Charlotte Matou um Cara?
Dori: A gente vai tocar praticamente os dois discos completos. A gente também conta com uma participação especial de uma pessoa que foi bem importante para a nossa existência.
Camis: O repertório está bem legal, é uma hora de show. Acho que ficou pouquíssimas coisas de fora. Então, tanto pra quem já conhece a banda, quanto para quem veio pelo viral, acho que vai gostar muito do que a gente vai apresentar.
O viral do Charlotte Matou Um Cara fala sobre um tipo muito comum no cenário punk, o machão hipócrita que não segue “o que defende”. Vocês conseguem enxergar alguma melhora no cenário punk hardcore se comparado com 20 anos atrás?
Camis: Acho que está mais mascarado. Antes era bonito ser machista e escroto, deixava o cara bem com os amigos. Mas hoje é um pouco mais velado, porque não pega muito bem. A gente sabe que na rodinha dos caras, quando não tem mina envolvida, ainda rola muita conversinha, tem essa questão do stage dive e tudo mais.
Nos nossos shows, a Déa sempre fala: ‘reserva espaço para as minas, chama as minas para frente’. Tem que ser um espaço mais acolhedor. Então, assim, na superfície melhorou, mas a gente sabe que muita coisa ainda precisa ser feita para melhorar.
Dori: Na cena é muito velado, muito pela punição. Hoje a gente não fica mais calada, querendo ou não, rola um apontamento imediato, principalmente, nos nossos shows.
Toda vez que a gente toca, sempre quando acontece alguma coisa que não está legal ali no meio, inclusive no stage dive, aquela coisa da turma se empolgar e tal, a gente acaba parando o show na hora. Para, observa, percebe o que rolou e pede o afastamento dos caras. Não que eles não sejam bem-vindos, porque acho que o importante é o fortalecimento. As mulheres precisam do apoio dos homens.
Camis: Nosso show é para as mulheres. Se for para ter alguém segurando a mochila, que sejam os caras segurando as mochilas das mulheres lá no fundo, porque sempre foi o inverso. As mulheres, namoradas, lá no fundo, enquanto os caras ficavam na roda.
O nosso show também é um grito, um berro para furar essas barreiras. A gente está com muita raiva e queremos pôr para fora essa história toda. Tem que chegar meio na cotovelada ainda para poder angariar um espaço.
E o que que você acredita que pode ser feito para melhorar isso?
Camis: Não tem uma cartilha de bons modos, tal como os Dez Mandamentos de Como… Mas acho que os caras darem suporte é um ponto muito importante. É suportar as mulheres, dar apoio, deixar no momento de fala as meninas falarem, não interromper as mulheres enquanto elas falam, sabe? Não tirar sarro porque é uma dor que não dói nas pessoas.
Acho que as pessoas acabam se esquecendo de certas situações e deixam passar. E é por isso que existe toda essa luta até hoje, e vai permanecer. Acho que estou para morrer e não vou ver uma grande evolução. Se for pensar, tantas mulheres aí que vieram para a revolução feminista e morreram na luta.
Hoje está numa quarta onda feminista dentro de um cenário, inclusive, que foi um livro que a Heloísa Buarque de Holanda escreveu, o Explosão Feminista, e ela cita a Charlotte Matou um Cara.
Dá até umas engasgadas quando a gente tem que falar o que os caras têm que fazer para ajudar, né? Mas é necessário estar na força juntos, a união faz a força como um todo. Se a gente está num campo progressista, acho que é para tudo que seja o melhor.
O último álbum da Charlotte Matou um Cara é Atentas, de 2021. O fato da Déa (vocalista) morar na Alemanha é um complicador na hora de pensar no sucessor?
Camis: Quando a gente lançou o segundo disco, já estava no gás de ‘ah, vamos pôr logo mais um e tal’. Quando a gente acaba de lançar um disco, a gente tem todo aquele gás de continuar produzindo, de ir para estúdio e tudo mais, então acho que o processo criativo fica mais informado.
Mas, logo na sequência, veio todo esse cenário de pandemia e tudo mais, e aí a gente se afastou completamente, acabamos tirando esse tempinho sabático.
A banda nunca teve uma pausa oficial, nunca parou, nunca acabou, nem nada, mas a gente tirou um pouquinho o pé do acelerador para a gente olhar para outras coisas. E agora a gente está começando de novo esse processo, tentando compor novas coisas e tal. Entendemos que provavelmente vamos ter que fazer muita coisa distante. A gente gosta muito de estar mais juntinha para poder compor, criar juntas, mas, enfim, não vai dar para esperar, a gente está louca para fazer coisa nova.
Vou citar três atrações do dia de vocês e queria saber a opinião sobre elas.
Camis assumiu o desafio.
Tool: Isso aí é bem esperado, bem esquisito.
Sepultura: Meu Deus do céu. Belo Horizonte, né, gente? Os caras são mineiros, quer dizer, não tanto agora, que mudou muito a formação. Nossa, a gente vai abrir para o palco de Sepultura. Na minha adolescência, se eu olhar para a minha criança interior ali, eu ia falar: ‘caralho, velho, você conseguiu, mana’.
Giovanna Moraes: Ela tem um trampo muito foda. A forma como ela meteu as caras no ano passado foi bem legal. Quero muito assistir ao show dela.