Fotos: Nirley Sena
Foi após um concerto memorável do maestro João Carlos Martins, em 2009, que surgiu a ideia de uma produção cinematográfica sobre sua vida e obra. Na ocasião, no entanto, o diretor sugerido era o norte-americano Clint Eastwood, vencedor de dois Oscars de direção, com Os Imperdoáveis (1993) e Menina de Ouro (2005). A revelação veio do próprio músico, durante a coletiva de imprensa do lançamento do filme João, o Maestro (Sony Pictures), que chega aos cinemas no próximo dia 17. O evento aconteceu no WZ Hotel Jardins, em São Paulo.
“Em 2009, o David Brubeck conversou comigo e disse que minha vida daria um grande filme. Ele, então, mandou uma carta para o Clint Eastwood, para falar da minha história. Ele respondeu positivamente, mas estava com alguns projetos na fila. Porém, conversando com alguns amigos, chegamos à conclusão que ninguém vai entender a vida de um brasileiro, sem ser um diretor brasileiro. Respondi que não faria o filme lá. Agradeci, mas coloquei na cabeça que precisava ser um diretor brasileiro e gravado no Brasil”, relatou Martins.
A escolha de Mauro Lima (Meu Nome não é Johnny) foi um grande acerto, segundo o maestro. “Ele é uma espécie de Dalai Lima, como brincamos. Foi mais que um diretor, foi um maestro. O maestro do filme é ele. Manteve a calma até o fim, para não tirar a concentração dos atores. Faltava tão pouco para encerrar o filme, aquele momento mais puxado, mas ele estava super calmo”.
Para o produtor Rômulo Marinho Jr, a parceria do diretor com os produtores e a sintonia entre os atores foi fundamental para o resultado. De fato, na coletiva de imprensa, todos pareciam amigos de longa data. Brincavam uns com os outros, contavam piadas, tudo em um clima de muita harmonia. “Não é possível apontar quem é melhor João entre eles. Todos estão superbem. Foi um dos filmes mais redondos que já produzi”, comentou Rômulo.
João, o Maestro narra a história do músico, que enfrentou mais de 20 cirurgias para tentar corrigir um problema de movimentos na mão direita. Estabelecido como pianista de sucesso, na fase adulta ele sofreu um acidente que virou um drama em sua trajetória. Drama, no entanto, que lhe garantiu um roteiro de superação capaz de emocionar qualquer pessoa.
Desafio
“Filmar a biografia de uma pessoa viva é um desafio imenso. Fui colega de um filho dele na época do Maternal, mas fui conhecer (o maestro) pessoalmente há um ano, com o filme. É a mistura da vida dele e eu, que não sou ele, mas tento entender a vida dele. Filmar piano é como filmar uma ficção científica, um fetiche. A ideia de ter o maestro presente nas filmagens, com a magnitude dele, além dos três atores (Rodrigo Pandolfo, Alexandre Nero e Davi Campolongo), com qualidades de músicos, foi impressionante”, destacou Mauro Lima.
E o cuidado com as cenas nas quais os atores tocam o piano foi quase um mantra durante a coletiva. Todos os participantes ressaltaram a importância de deixar a experiência como a mais real possível.
“Sempre como músico, vejo que o cara não está tocando nos filmes. Um músico vai querer assistir ao filme e desconcentra quando vê o erro grande e bizarro cometido por um ator. Esquece a dramaturgia e fica com o erro na cabeça. Eu não tocava piano, mas sou músico e com o João por perto, tratamos como coreografia. Um balé com as mãos. Não precisava acertar a nota. Se eu acertasse, não estaria aqui, estaria em Londres, em algum concerto”, comentou Nero, arrancando risos dos jornalistas.
E a sintonia entre Nero e Martins é tão grande que o ator comentou uma curiosidade das gravações. “Como ele é um cara divertido, eu passei a querer imitar o João, muito mais por sarro. Nem sei se consegui. Eu não assisti ao filme e o Caco (Ciocler) me deu uma ideia brilhante. Acho que nunca vou assistir. É um bom marketing”, arrematou Nero. O maestro respondeu: “O Alexandre me causou um problema. Ele me interpreta tão bem que hoje eu que estou imitando ele”, disse, aos risos.
Responsável por interpretar o professor de piano do maestro, José Kliass, Caco Ciocler usou uma referência pop dos anos 1980 para comentar o seu papel. “Sempre quis fazer um Senhor Miyagi (Karatê Kid), aquela coisa do mestre. Esse personagem tem isso, essa áurea”. Ciocler contou, ainda, que uma conversa com Martins e com o diretor do filme, antes das gravações, foi fundamental para o desenvolvimento do personagem.
“As pessoas não têm na cabeça quem é o Klias. Então combinamos que faríamos sem nos preocupar com sotaque, aparência, essas coisas. A importância do personagem na vida do João era muito mais importante. Alguém muito rígido com a disciplina, mas com muito afeto pelo discípulo. É um afeto quase de pai. Quando o Mauro (Lima) me tirou desse perrengue, ficou mais fácil de cumprir o papel”.
Fernanda Nobre, que interpreta a primeira mulher do maestro, demonstrou muita admiração pela sua personagem e Martins. “É uma mulher que ficou ao lado dele no momento mais crucial. Esteve ao lado dele na época do primeiro acidente, se mudou para Nova Iorque (EUA). Esses filme fala de um apaixonado, um idealista. Ser um exemplo de perseverança. O João conseguiu e nos mostrou que podemos conseguir também”.
“Whiplash não foi uma influência”
Durante a conversa com os jornalistas, Mauro Lima afirmou que não buscou nenhuma inspiração no filme Whiplash: Em Busca da Perfeição, de 2014, que mostra o jovem músico Andrew Neiman em busca de se tornar o maior baterista de jazz de sua geração.
“O instrumento é bem filmado e as coreografias também. É engraçado que o Whiplash é uma referência interessante, mas não é um filme legal. O cara larga a namorada por causa da bateria. É um cara chato. A história de vida do João é muito mais interessante. O João jamais abandonaria um amor. Um exemplo que dei para a Paula (produtora), quando estava no roteiro, foi aquela cena do Cavaleiro Negro, do filme do Monty Phyton, O Cálice Sagrado”.
Em outro momento da coletiva, mais risadas foram arrancadas dos jornalistas. João Carlos Martins brincou com uma estratégia para vender mais o seu filme. “Se eu morro antes do filme, será o maior sucesso”, disse o maestro, atualmente com 77 anos, que prontamente viu seus companheiros de mesa entrarem na brincadeira: “Se eu fosse você, não atravessaria a rua até o dia 16. Não deixa o marketing ouvir isso”, brincou a produtora Paula Barreto. “Cuidado com esse copo”, completou Nero.
Músico mirim rouba a cena
“Davi vai ser o maior pianista do Brasil. Ele aprendeu muito em um ano de aulas”. A frase da produtora Paula Barreto, na apresentação do elenco, mostra que o praia-grandense Davi Campolongo, de 11 anos, vai longe. E não é apenas pela parte técnica que ele chama a atenção. Durante a coletiva de imprensa, ele mostrou personalidade, humor e firmeza na fala.
“Foi extraordinária a experiência de interpretar o maestro. Mesmo com tudo que aconteceu na vida dele, ele não abandonou o piano. E esta aí, brincalhão. Ele encontrou o piano como uma saída para o bullying que sofria na escola, por conta do tumor que teve na garganta e fazia com que ele soltasse pus pela boca o tempo todo. A música tem força para superar tudo. Ele era introvertido, mas sou extrovertido. Então foi um desafio me adaptar a ele”.
O pequeno Davi é filho e sobrinho de músicos. O seu pai, José Henrique Pereira da Silva, integra junto com dois tios a banda de reggae Macaco Prego. “Sempre gostei da música e toco bateria desde os 3 anos. Minhas referências musicais sempre foram Beatles e Bob Marley. Adoro tocar Redemption Song, do Bob Marley, no violão”.
No cinema, no entanto, Davi faz sua estreia. E a aprovação do maestro foi imediata. “O Davi pode ser ator ou pianista. Ele será um herdeiro do Arthur Moreira Lima ou desse maestro”, apostou João Carlos Martins.
O diretor do filme, Mauro Lima, afirma que o processo de seleção de Davi foi o mesmo de todo mundo, mas que sua ligação com a música foi fundamental para a escolha.
“A produtora de elenco foi mandando vários vídeos, mas eles não tocavam nada, eram atores. Nas fichas, no entanto, ela assinalou alguns que tinham algum conhecimento de música. Em três vídeos ele aparecia tocando algum instrumento. Em um ele tocava bateria, no outro tocava violão, depois um tecladinho. Uma música comum, o tema do Poderoso Chefão. Mas dava para perceber que ele tinha uma alma de músico”.
Lima afirma que conversou com a preparadora de elenco e ressaltou a importância de dar uma atenção maior ao menino. “Foi um lance meio de intuição. Não tinha muita coisa dele atuando. Ao mesmo tempo, colocamos uma professora de piano clássico com ele. Duas semanas antes de começar o filme, ele já estava tocando a música que ia aparecer no filme. Esse menino é um talento extraordinário. Hoje ele poderia tocar perfeitamente na transição para a adolescência do maestro”.
Davi afirma que a paixão pelo aprendizado da música tem apenas um limite. “Aprendi a tocar teclado, guitarra, bateria, piano, mas quando chegou a hora do baixo, achei melhor parar. É muita coisa. Meu tio tentou me ensinar, mas acho que está de bom tamanho”, disse o menino-prodígio, aos risos.