Crédito da foto em destaque: Daniel Arantes / Divulgação
Em 1982, o cenário cultural de São Paulo viu a explosão da cena punk chegar aos jornais. Bandas da Capital e do ABC, fortemente influenciada pela segunda onda do gênero, chamaram a atenção pelo som mais pesado, atitudes intensas, posições políticas bem definidas e conflitos entre facções. Daquela geração se destacavam as bandas Restos de Nada,Inocentes, Ratos de Porão, Cólera, Fogo Cruzado, Olho Seco e Lixomania, que são referências até hoje.
“O festival de 1982 foi mágico. Conseguimos fazer em um momento de crise no movimento. Estava tendo várias tretas com as gangues, mas nós conseguimos juntar tudo que tinha de produção punk”, diz o vocalista do Resto de Nada e Invasores de Cérebros, Ariel Uliana, sobre o confronto entre o pessoal da Capital e ABC.
O evento, ocorrido nos dias 27 e 28 de novembro de 1982, no Sesc Pompeia, foi o grande marco do movimento no Brasil. Em 2012, 30 anos depois daquele momento histórico, o Sesc Pompeia reuniu boa parte da turma, com o acréscimo de novas bandas. O reencontro foi registrado pela diretora de cinema Camila Miranda, que responde pela produção do documentário O Fim do Mundo, Enfim, recém-lançado pelo Selo Sesc.
“O punk primeiro deu notícia em 1976, explodiu em 1977, foi considerado non grato em 1978 e ressurgiu com força total em 1980. Em 1982 o movimento em São Paulo era uma realidade em total sintonia com o movimento mundo afora”, explica o idealizador do evento, Antonio Bivar.
Vocalista do Inocentes, Clemente Tadeu recorda que muitos festivais independentes eram realizados antes do Começo do Fim do Mundo. “Tocávamos na periferia. Eram eventos menores, não tinham a dimensão de um evento na mais nova unidade do Sesc”.
Clemente conta que a determinação dos integrantes do movimento fez com que o punk rock paulistano ecoasse no exterior, mesmo em tempos que não existiam internet e comprar produtos importados era uma fortuna.
“Éramos colecionadores de discos. Descolávamos discos importados com amigos ou mesmo no Porto de Santos. Íamos atrás mesmo”, diz.
Com os contatos nas contracapas dos álbuns, Clemente soube expandir o mercado do Inocentes. “Nós saímos em fanzines do mundo todo, inclusive no icônico Maximum Rock and Roll. Miséria e Fome entrou em sexto lugar na parada do Jello Biafra, ex-vocalista do Dead Kennedys”.
Quase 35 anos após o festival no Sesc Pompeia, Clemente acredita que o punk apenas perdeu a mídia espontânea. “Antes tínhamos a MTV que dava uma força para as bandas. O público que curtia hardcore continua. Outros migraram para outras vertentes. Você vê que temos vários fenômenos do You Tube como o Supercombo e o Scalene. Não é minha praia, mas são bandas bem trabalhadas”.
O líder do Inocentes acredita que muitas coisas contribuíram para a atual fase do punk rock nacional, que não tem mais tanta força. “O Flicts, por exemplo, é uma banda muito boa e com um público legal em São Paulo. Quando eles deram uma pausa na carreira, o público caiu um pouco. Tem muito isso nessas safras do punk brasileiro”.
Outro ponto levantado por Clemente são as brigas entre punks e carecas. “É complicado. É preciso deixar claro que nem todo careca é nazista. Mas eles se vestem de forma idêntica. Até você descobrir que o cara não é nazi, ferrou”, diz. “Mas sou gato escaldado, procuro evitar shows de risco”, completa.
Reencontro
O diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos Miranda, afirma na apresentação do documentário que o reencontro foi mais um marco do movimento punk com o Sesc.
“Trouxe novamente os seguidores do movimento punk à fábrica onde puderam, mais uma vez, discutir suas ideias ao som da música que segue cativando novas gerações pela intensidade e o inconformismo, marcas dessa geração que segue contestando as disparidades da sociedade em que vivemos”.
O DVD conta com um documentário de 40 minutos e uma coletânea do show com 63 minutos de duração. Inocentes, Ratos de Porão, Cólera, Restos de Nada, Agrotóxico, Olho Seco, Flicts, Devotos, Garotos Podres e outros participam.