Com pés apostos no Reino Unido, a trupe transcendental do Spiritualized convoca os espíritos galáticos de Major Tom e Carl Sagan e embarca conosco numa viagem cósmica. No filme de hoje da Sessão da Tarde, a atração é o terceiro disco dos britânicos: Ladies and Gentlemen, We Are Floating In Space. Uma visita ao espaço, mas sem tirar os pés do chão.
Lançado em 1998, o disco foge da aura millenial criada em torno da maioria das bandas britânicas do fim do século passado e busca sua própria identidade em sonoridades etéreas, porém grandiosas. Diferente dos ditos veteranos do space rock e até mesmo dos shoegazers, de objetivos sonoros semelhantes, o Spiritualized preenche suas lacunas com grandes orquestrações e corais, e atinge performances que não se assemelham a nada já feito em ambos os gêneros.
O resultado é um tom épico, pra não dizer cinematográfico. Broken Heart, nona faixa do disco, por exemplo, poderia facilmente servir de soundtrack para o momento mais dramático de Interestelar. Cool Waves faz o caminho oposto, e traz consigo uma aura de final otimista típica de grandes blockbusters. A carga emocional contida em ambas canções permite que a imaginação trabalhe além do que é sonoro, criando imagens na nossa cabeça que ajudam a absorver a música de outras formas.
Tudo isso mastigado pela excelente produção e pela conversação impecável das letras com a musicalidade. Apesar de apresentar metáforas cósmicas, o vocalista Jason Pierce aposta num lirismo muito individual e realista. Os versos soam como frases soltas de um astronauta perdido no espaço, sendo o espaço só uma metáfora pra todo o vazio sentimental. E o melhor do disco talvez seja justamente esse link feito entre o vazio espacial e os sentimentos humanos.
Como já citado, Ladies & Gentlemen... é uma viagem ao espaço, mas não tira os pés do chão. É o estímulo do lisérgico e do imaginário abordando sentimentos reais, seus sentidos e suas consequências. O principal tema é o amor; o segundo, a falta dele, e Pierce não poupa mensagens a respeito da ambiguidade presente nesse sentimento tão complexo pro ser humano. O amor, aqui, é uma droga pesada. Não é à toa que o vocalista inicia o disco clamando por um amor que cure suas dores. Não é à toa, também, que a capa do álbum é uma caixa de remédio.
O disco terminou o ano de 1998 em primeiro lugar na maioria das listas de melhores discos do ano e recebendo nota 10 da revista Pitchfork. Assim como aconteceu com todas as bandas de rock alternativo melhores que o Travis, o Spiritualized foi comparado com o Radiohead e o disco chegou a ser considerado um dos sucessores do OK Computer. Besteira desnecessária. Recomendo para quem gosta de shoegaze, Yo La Tengo e soundtracks espaciais.