Nas últimas colunas, foram apresentadas bandas que resgatam os velhos tempos da música à sua própria maneira. O texto de hoje é diferente. Vamos falar de uma banda que recria a história à moda da história, através da história. Mas antes, uma pequena aulinha.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo ficou dividido, basicamente, em dois blocos – que carinhosamente chamaremos de “galeras” no decorrer desta parte do texto para propósitos didáticos -, o bloco da galera dos EUA. e a galera da União Soviética. Para entender a divisão, vamos dar uma olhada num discurso de Winston Churchill, então primeiro ministro do Reino Unido, na Universidade de Westminster, em 5 de março de 1946.
“De Estetino, no [mar] Báltico, até Trieste, no [mar] Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Atrás dessa linha estão todas as capitais dos antigos Estados da Europa Central e Oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sófia; todas estas famosas cidades e as que as rodeiam estão no que devo chamar de esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não somente à influência soviética mas também a fortes, e em certos casos crescentes, medidas de controle advindas de Moscou.”
Cortina de Ferro. Aí está. Esta linha – ora imaginária, ora de pedra – separou o mundo durante 28 anos. Isolou um lado do globo a tal ponto que os jovens roqueiros soviéticos conseguiam ouvir os clássicos apenas se os pirateassem em chapas de raio-x. Porém nada disso impediu uma ávida produção de música de qualidade, inclusive algumas bem pesadas como os metaleiros do Tsa (Polônia), Ahat (Bulgária), Detonator (Hungria), Turbo (Polônia), Imperator (Polônia), Black Coffee (Rússia) e Adem (Ucrânia); e como todo mestre tem seus pupilos, o movimento metálico da União Soviética tem todo o suor que derramou homenageado pela banda Terminal.
A Península Escandinava é um lugar muito peculiar e que tem uma predisposição no mínimo interessante a exportar bandas-de-um-homem-só. Temos muitos exemplares na cena do Black Metal norueguês, em especial a segunda onda, e mesmo a criação do Viking Metal por parte da sueca Bathory. Terminal faz parte dessa onda de artistas autossuficientes, contando como único membro Tobias Lindqvist, baixista da banda de heavy metal Enforcer, de Estocolmo.
Tobias não apenas decidiu homenagear os guerreiros do metal soviético, mas também decidiu tornar-se um deles: desde o single Heavy Metal Lokomotiva até Epilog, todas as letras foram escritas e interpretadas em esloveno – língua qual conta com apenas 2,2 milhões de falantes no mundo inteiro, 287 milhões a menos que o Português, por exemplo. Além disso, o músico decidiu explorar, em tempo extremamente reduzido, todos os estilos que o movimento que o antecedeu pôde criar: batidas rápidas, algumas mais lentas, e até mesmo baladas.
A banda lançou, pelo selo Electric Assault Records, apenas três singles e três b-sides. O primeiro, Heavy Metal Lokomotiva, disponibilizado para download gratuito pelo portal da gravadora na plataforma Bandcamp, explora a velocidade e a agressividade que veríamos em um Iron Maiden puro-sangue. A diferença é que a progressão é menos técnica, a excetuar, obviamente, pelos solos de guitarra harmonizados e a letra é completamente incompreensível para aqueles que não fazem parte do reduto grupo de 2,2 milhões de eslovenos. Seu b-side, Slovo, segue a mesma receita, porém com mais passagens de refrão.
Satanski Naročila, segundo trabalho de Tobias, toma para si um tom mais obscuro e ligado à essência thrash, sem deixar de lado as claras influências da NWOBHM (ou deveríamos dizer NWOSHM?), agregando temas como satanismo e morte às letras e atmosfera das músicas. Por outro lado, Črna Smrt, do outro lado do bolachão, tem uma pegada quase de uma balada metálica à la Love of My Life, do Kiss. A faixa consegue ser mais técnica que as anteriores, sem muitos refrões e boa parte dos versos acompanhados por uma guitarra em tapping. O b-side abre espaço para o que estava por vir no lançamento final da banda.
A descrição escrita pela Electric Assault é mais apropriada do que qualquer outra para Zadnji Izlet. Em uma tradução livre para, ela diz:
“Como em todas as clássicas trilogias, a terceira e última aventura é a mais grandiosa, e Zadnji Izlet (The Final Trip, A Última Viagem) de Terminal é fiel a esta fórmula. Os dois singles anteriores, Heavy Metal Lokomotiva e Satanski Naročila destacaram o imenso poder do Heavy Metal do Bloco Oriental, mas em Zadnji Izlet, Tobias Lindkvist se joga no pouco explorado estilo de balada do gênero, repleto de melodias nostálgicas que você pode cantar e acompanhar independentemente de saber Esloveno ou não. O outro lado, apropriadamente entitulado Epilog conta com a composição típica de Gabriel Forslund, da Antichrist, e é o final perfeito que sela o propósito pelo qual Terminal fora criada: um tributo a um maravilhosamente peculiar e ora obscuro estilo de Heavy Metal.”
Não há muito mais a ser dito. Terminal fez um excelente trabalho homenageando as bandas que tanto sofreram para existir, e ler demais sobre os esforços de Tobias não farão justiça ao projeto. Hora de escutar todos os três singles e também explorar as bandas listadas no início do texto. Cada acorde merece o prestígio de um equivalente britânico ou americano, pois nem uma cortina de ferro foi capaz de silenciá-los.