Por vezes me sinto triste, bem como todos nós ficamos em alguns momentos da vida. Não é novidade que esta, inclusive, é composta de ciclos. E eu definitivamente não sei lidar com o fim de cada um deles. Cigarro, sofá, violão, mensagens, trovão. Tudo e nada, por mais distintos que sejam, ainda assim se assemelham. Fico feliz de ter acesso a tantos discos. Ah.. se não fossem os aplicativos!
Pois bem. Nos últimos dias deixei-me abater devido a uma situação complicada que não me afetara diretamente. Porém, isto veio a entristecer alguém por quem muito me importo. E neste momento, caí na entrelinha literal que nomeia esta coluna. Fiz da música uma “válvula de escape”.
Assim, após ouvir algumas faixas soltas do Caetano Veloso, tirei um tempo pra finalmente escutar o disco Joia. Antes dele, para ser mais preciso, escutei You Don’t Know Me e Nine of Ten – ambas do Transa, de 1972. Também escutei a música Qualquer Coisa, que integra um álbum de mesmo nome, lançado em 1975.
Quando ouvi essa faixa, imediatamente me recordei que o artista havia lançado outro disco naquele ano. Tratava-se do Joia. A capa original, que retrata uma pintura de Caetano com esposa (Dedé) e filho (Moreno), foi censurada pela ditadura brasileira – assim limitando à apenas pombas azuis.
Enfim, para abordar as faixas de fato, preciso contextualizar também que Joia e Qualquer Coisa foram lançados simultaneamente no mês de abril do ano citado acima. E também por isso, se completam através de seus respectivos contrastes. Entre as similaridades, nota-se que Caetano Veloso regrava Beatles nas duas ocasiões.
Beatles
Em Qualquer Coisa, Eleanor Rigby, For No One e Lady Madonna são as escolhidas. No Joia, por sua vez, Help é a música beatlemaníaca. O primeiro destes, é claramente mais pop, reunindo o próprio hit Qualquer Coisa e o sucesso Jorge da Capadócia (composto por Jorge Ben Jor) no mesmo setlist.
Já o disco Joia é melancólico, contendo o experimentalismo antes visto em Araçá Azul (1973), em meio à simplicidade crua de linhas quase sempre preenchidas apenas por vozes, violões e percussões. Com batuques, e flauta, Asa, Asa, me soa quase como um mantra.
A faixa título, Joia, é outra “percussiva” que também merece destaque. Gosto da maneira como as duas são sucintas e precisas. Em outro viés, mais doce, Caetano apresenta Lua, Lua,Lua. Esta quase me colocou em lágrimas, admito.
Vejo Help como minha faixa favorita no álbum. Prefiro esta regravação de Caetano do que a própria versão original dos garotos de Liverpool. O brasileiro consegue resgatar toda melancolia que a música provavelmente teria nos primórdios de sua composição, antes mesmo de sua gravação em estúdio. Veloso expressa prantos que letra pede. E bem, isso realmente me fascina.
Caetano Veloso além dos Beatles
Entre as demais faixas, vale ressaltar a beleza de Na Asa do Vento, composta por Luiz Vieira e João do Vale. É uma espécie de baião, e dos bons.
O disco encerra-se com Escapulário. A música me faz recordar de enredos carnavalescos. O refrão é marcante, enquanto a faixa remete-se à religião e ao âmbito regional carioca. Nos versos, Caetano canta >
No pão de açúcar
De cada dia
Dai-nos, Senhor
A poesia de cada dia
O trecho é puro, como uma conversa de esquina entre amigos. É o anseio mútuo pela felicidade do próximo. E veja leitor, lembrando-me dos parágrafos iniciais deste texto, não visualizo nada melhor do que isto para transpor meus sentimentos naquele e neste momento.
É Johnny Hooker, agora compreendo sua cantoria ligando Caetano Veloso à um sentimento. Você tinha razão.