Young Fathers convida público para dançar em show de soul selvagem

“Vocês querem dançar?”, perguntou com um grito gutural Kayus Bankole, um dos vocalistas do Young Fathers, durante a apresentação da banda no C6 Fest, no último domingo (19), direto do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. De início, ouvindo os primeiros segundos de uma música da banda, não é bem uma dança que vem à mente. Só que sua banda se especializou em unir características de diversos gêneros e externá-los numa pegada selvagem, de forma que é possível entender o convite feito. Enquanto o hip hop é notável, principalmente nos cantos de Bankole, Graham “G” Hastings, outro dos integrantes vocais da banda, canta encontrando uma agressividade de bandas punk contemporâneas como IDLES. Tem ainda o terceiro membro oficial, Alloysious Massaquoi, que, com seus vocais e percussão, joga um som tribal nessa fórmula musical. Como se não bastasse essa já excêntrica mistura, nos shows, o Young Fathers ainda é acompanhado da suave voz soul de Amber Joy, nos backing vocals. Como é possível esse arranjo todo funcionar e terminar em dança? Foi o que o público da banda no Palco Heineken descobriu, ainda que o espaço estivesse mais vazio do que a criatividade da banda merece; talvez pela concorrência com a Tenda MetLife, que trazia nomes como Pavement e Cat Power em horários concorrentes. Independente disso, para sorte de quem pode estar por lá, o Young Fathers se preocupou apenas em agitar a audiência com sua proposta de dança tribal e soul selvagem. A mistura das quatro vozes com estilos e timbres distintos, aliados aos sons sintéticos — controlados quase que espontaneamente por “G” —, e as batidas secas nos instrumentos de percussão que eram intercalados durante a apresentação, criaram o ambiente dançante prometido. Quem topou participou de algo que deve se assemelhar a uma rave dos primórdios, quando danças eram embaladas por sons de percussão, ainda que sons sintetizados estejam presentes aqui. Nos momentos mais serenos, o neo soul predominava, embora mantivesse um ritmo vibrante, mantendo a urgência de movimento corporal para aqueles que estavam ali para se envolver na música do Young Fathers. Conta como destaque ainda o palco Heineken, que projetava na fachada do Auditório do Ibirapuera as imagens da banda executando sua performance. Mesmo distante, quem estava pelo local podia ver e ouvir a exibição do grupo. O som proposto e executado pelo Young Fathers no C6 Fest, que remete ao natural, ao primordial, ainda que envolto de modernidade, foi perfeito para simbolizar um festival realizado em um enorme parque no meio da maior representação urbana do país.

Em tarde de tributos, Malvada empolga com solos de guitarra e alcance vocal

Na sequência de Nanda Moura veio a banda Malvada, segunda atração do primeiro dia do Best of Blues And Rock 2023, que homenageou Rita Lee, Janis Joplin e Jimi Hendrix no set. Formada por Angel Sberse (participante do The Voice Brasil 2020), Bruna Tsuruda, Marina Langer e Juliana Salgado, a Malvada também deu amostras do trabalho autoral, com destaque para as canções Perfeito Imperfeito, single lançado em fevereiro, e Pecado Capital, do álbum de estreia, A Noite Vai Ferver. Mais um Gole, primeiro single da banda, também foi muito bem recebido pelo público, que demonstrava ter a letra na ponta da língua.  Vale um destaque para a guitarrista Bruna Tsuruda, que demonstrou muita técnica nos solos. Mostrou muita desenvoltura para tocar Purple Haze, de Jimi Hendrix, também. Angel deixou a desejar na homenagem à Rita Lee com Esse tal de Roque Enrow. Mas agradou em cheio com o alcance vocal em Summertime, de Janis Joplin. A Noite vai Ferver, faixa-título do álbum de estreia, encerrou a apresentação em grande estilo. A Malvada tem grande potencial para alçar voos maiores.

Crítica | Ghost – Impera

Impera, o quinto disco da banda de rock sueca Ghost, lançado em 11 de março, é o melhor exemplo do que o gênero precisa atualmente para quebrar barreiras nas paradas de sucesso. Muitos dirão que a chave do sucesso do álbum, atualmente o disco físico mais vendido nos EUA, é a sua divertida fórmula saudosista onde misturam hard rock, glam e metal com refrões tão pops quanto os do Bon Jovi no Slippery When Wet. Mas, na verdade, o grande trunfo do Ghost, e em especial do seu mentor Tobias Forge (atualmente atendendo pela alcunha de Papa Emeritus IV), foi aprender a rir de si mesmo, de uma forma tão debochada, que chega a ser impossível não se deixar levar pela banda, que geralmente toca mascarada e maquiada de forma a deixar seus integrantes irreconhecíveis. Se engana quem acha que essa guinada da banda começou agora. A banda já dava indícios de tudo que entregaria (formidavelmente bem) nesse disco, desde o seu antecessor, Prequelle, de 2018, e no EP Seven Inches of Satanic Panic, de 2019. Em Impera, a banda atinge seu ápice criativo e traz um disco que mais parece uma coleção hits deliciosamente macabros e dançantes, com excelentes trabalhos de guitarras, sintetizadores e melodias extremamente grudantes. Os destaques ficam para a punk Kaisarion, Spillways (com uma levada de teclado e backing vocals que remetem a Runaway, do Bon Jovi), Hunter’s Moon, a belíssima Darkness at the Heart of my Love e o baião(!) metal de Twenties.

Pose: A invisibilidade da atualidade

Pose é uma série de drama, produzida por Ryan Murph. Sua primeira temporada está disponível na Netflix. Em suas duas temporadas, conta a história de mulheres trans na década de 1980 e 1990, em que negros, principalmente LGBTQ+ eram descriminados e invisíveis para a sociedade. Pose entre o drama da ficção e realidade A série se passa em Nova York, no fim da década de 1980, em que mostra a cidade em seu auge da noite noturna. Enquanto pessoas cisgêneros buscam o sonho americano de ser bem sucedidas, já tendo um espaço tomado, a comunidade LGBTQ+ organiza bailes secretos, repleto de muita animação, danças e desfiles por categorias. Mas em outra perspectiva, o baile é a única alternativa para que esse grupo se sinta incluído em sociedade. Adiante, uma das protagonista, Blanca (Mj Rodriguez), decide sair da casa de sua mãe adotiva, Elektra Abundance (Dominique Jackson), personagem autoritária, egoísta e de extremo narcisismo. Dado a decisão, decide inaugurar sua própria casa, afim de construir seu nome dentro da cena. Nesse ínterim de tempo temos Damon (Ryan Jamaal Swain), um adolescente cheio de sonhos, que é expulso de casa após assumir sua orientação sexual para seus pais. Por consequência, vai morar nas ruas de Nova York, mas outrora passa a conhecer Blanca, e se tornando o primeiro membro da casa “Evangelista”. Assim como Damon, os demais personagens possuem histórias instigantes: Angel (Indya Moore), é uma mulher trans que sonha em ter uma vida igual a de uma mulher cis; Elektra, que dentre os personagens, é a única da alta classe, sonha em fazer redesignação sexual, ainda que seja sustentada por Dick Samuels (alusão ao dono do Ace Studios), que não lhe autoriza; Candy luta conta seu próprio corpo, fazendo procedimentos estéticos, afim de ser aceita em sua comunidade. Tema tratado com seriedade Pose é uma série extremamente necessária, não só em seu enredo mas também como uma verdadeira aula de história, que tem como princípio desmistificar a visão retrógada existente até os dias de hoje sobre a comunidade LGBTQIA+. Com seu roteiro emergente e dramático, Murph reforçou mais uma vez a urgência de falar sobre preconceito, não deixando de lado o cenário da época, em que o protagonismo tem ênfase sobre as personagens e sua exclusão até mesmo do grupo pertencente. Ademais, Vouguing, glamour e fashion, é entrelaçado com a crescente epidemia do HIV e AIDS, que até então não tinha tratamento adequado, já que o governo americano negava-se a ajudar. Com isso, Pose conseguiu fazer com que a série cause indignação e repressão do sistema capitalista, e exibindo a consequências do branqueamento. Notas sobre Pose Ainda que traga fantasia em seus episódios, ao retratar os anos 1980 e 1990, não deixa de transparecer a verdade, que ainda reflete em nossa sociedade. Revela o lado que ninguém gosta de falar: a transfobia, opressão e a censura existente para pessoas que não estão no padrão que ainda é estabelecido. Seu elenco conta com o maior número de transgêneros protagonistas em produções audiovisual, o que faz com que sua narrativa seja real, contada por mulheres que lidam com a exclusão e medo diariamente. De um lado temos Damon, que sonha em ser um bailarino profissional, e de outro Angel, que na 2° temporada busca pela aceitação de seu corpo, e almeja a carreira de modelo. Tendo Elektra e Blanca como rivais em sua primeira temporada, destaca que mesmo com diferenças, as pessoas da comunidade se unem quando o assunto afeta a vida de algum membro, o que se aproxima da realidade; mesmo com adversidades no meio LGBTQ+, a luta é uma só. Pose é isso e muito mais. Se trata de resistência, aceitação e representatividade. Viva, Rebole, Pose!

Crítica | After Life: Humor ácido em perspectivas sobre luto

after life

After Life é uma série original Netflix com duas temporadas, que em seus episódios de 20 minutos, conta a história de Tony Johnson, um jornalista que trabalha em uma redação local na Inglaterra e perdeu sua esposa após uma luta contra o câncer de mama. No momento em que a série se inicia, é perceptível a tristeza e o pensamento suicida de Tony (Rick Gervais), o recém viúvo. São apresentados vídeos que sua esposa deixou antes de falecer, e por meio deles, desenrola-se a história da série. Por mais que deseje a morte, Tony falha miseravelmente em inúmeras tentativas. Quando decide se revoltar contra a sociedade, não poupando ninguém, se torna um homem amargo, liberando sua ira para qualquer pessoa, mesmo que isso signifique magoar as pessoas que o amam. Seus colegas sofrem diariamente com seu comportamento, principalmente seu cunhado Matt (Tom Basden), que é seu chefe e se recusa a demiti-lo por medo de perder mais uma pessoa querida. Importância das amizades Ao decorrer de After Life, é perceptível o desenvolvimento do protagonista e suas tentativas de se tornar uma pessoa melhor, ainda que na verdade só queira morrer. Amizades como a de Roxy (Penelope Wilton), uma “profissional do sexo”, como prefere ser chamada (que inclusive é hilária), foram cruciais para que Tony enxergasse além de si mesmo em sua jornada. Sandy (Mandeep Dhillon) também é um dos pilares para a construção da história. Mesmo sendo uma estagiária recém chegada na redação, não se deixa abalar com a falta de interesse de Tony em ensinar, buscando mostrar a ele uma nova perspectiva de vida. Notas sobre After Life De início, After Life parece ser um poço de grosseria com humor ácido. Porém, é demonstrado equilíbrio entre o drama e o humor no desenrolar da trama, sendo os coadjuvantes pilares para a construção do enredo. Ainda que sua primeira temporada não tenha aprofundamento nos personagens, outrora passa a investir nos secundários. Ao contrário de Tony, os demais personagens reagem de maneiras diferentes ao luto, insinuando que não é necessário ser agressivo para lidar com os problemas da vida. A série sempre remete à premissa de que o sentimento autodestrutivo é motivado pela perda recente, e que essas perdas fazem com que venhamos a mudar quem somos a fim de omitir o luto. É um esboço da realidade. Em suma, vale a pena conferir a série e refletir sobre seus acontecimentos. Confira o trailer:

Crítica | Sangue e Água – um universo paralelo (contém spoilers)

Sangue e Água (Blood and Water) é mais uma das novidades do ano no catálogo da Netflix. A série baseada em fatos reais tem feito muito sucesso desde sua estreia, chegando a ficar duas semanas no top 10 do ranking nacional. É preciso aceitar que a plataforma tem feito muitas produções adolescentes, acertando em todas. Assim como, Eu Nunca… e Control Z, Sangue e Água é mais uma série que tem o drama e suspense como chaves de sucesso. A trama de Sangue e Água De início, sentimos a tensão da série, durante o aniversário de 17 anos de desaparecimento de Phume, a primogênita da família Khumalo. Antes que a série comece a desenrolar, já apresenta que por conta da dor da perda, Thandeka (Gail Mabalane) deixa os seus outros dois filhos de lado. Após fazer amizade com Fikile Bhele (Khosi Ngema) em uma festa, Pulenge (Ama Qamata) fica obcecada pela nova amiga. Acontece que descobriu que Fikile está fazendo aniversário no mesmo dia em sua irmã desaparecida faria. Obsessão pelo passado Adiante, a família de Pulenge é exposta na mídia, por problemas do passado. Dado o acontecimento, Pulenge vê a oportunidade de estar mais próxima de sua possível irmã. Posteriormente, muda-se para a mesma escola de Fikili, um colégio particular estilo High School (em que os personagens são em sua maioria ricos), para estar mais próxima de sua suposta irmã. Tendo em vista o novo mundo que foi inserida, decide “ser outra pessoa”, para que seus novos amigos não descubram o seu passado, e atrapalhem sua investigação. Com a ajuda de Wade (Dillon Windvogel), seu novo melhor amigo, traz a tona muitos segredos antigos, que irão causar problemas em sua próxima temporada. Notas sobre Sangue e Água Assim como uma boa série adolescente, Sangue e Água trouxe muito drama e paixão, reforçando o formato da série. Entretanto, o que mais merece destaque é sua representatividade. Em suma, a produção Sul Africana inovou em trazer um elenco negro, desconstruindo o estereótipo de séries e filmes desse formato. Possuindo apenas seis episódios, Sangue e Água é daquelas que você maratona em poucas horas. Mesmo que pareça um universo paralelo, já que não vemos essa ascensão negra em nosso dia a dia, é satisfatório devanear por esse mundo, renovando esperanças para que um dia possamos estar ocupando espaço na sociedade.