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Entrevista | Tom Morello – “nunca mais toco uma nota musical que não acredito”

Tom Morello está de volta! Nesta sexta-feira (15), o lendário guitarrista lançou o álbum solo, The Atlas Underground Fire. Aliás, o sucessor de The Atlas Underground (2018) conta com um time de peso entre os convidados: Bruce Springsteen, Eddie Vedder, Chris Stapleton, Mike Posner e Damian Marley.

Cofundador do Rage Against The Machine, Audioslave e Prophets of Rage, além de graduado em Ciência Política na Universidade Harvard, Tom Morello reuniu Springsteen e Vedder para uma releitura do hino do AC/DC, Highway to Hell.

“Nossa versão de Highway To Hell é uma homenagem ao AC/DC, mas com Bruce Springsteen e Eddie Vedder, traz essa lendária música para o futuro. Uma das maiores músicas de rock’n’roll de todos os tempos, cantada por dois dos maiores cantores de rock n’ roll de todos os tempos. E então eu solto um solo de guitarra louco. Obrigado e boa noite”, disse Morello.

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Tom Morello conversou com a imprensa recentemente e falou mais sobre o novo álbum, planos, política, entre outros assuntos. O Blog n’ Roll participou desse papo e traz alguns dos destaques da conversa.

Processo de gravação

Este foi um álbum feito no pico da pandemia. É um álbum da praga, realmente. Do tempo que eu tinha 17 anos até março de 2020, vinha escrevendo, gravando e fazendo shows constantemente. E então foi uma abstinência para mim. Eu tenho o meu próprio estúdio como você pode ver, mas não sei como ele funciona. Eles só deixam eu mexer no volume agora. Mas mesmo isso muito raramente.

Então em um momento estava olhando e não fazendo música em um futuro próximo. E a inspiração veio de um lugar estranho. Estava lendo uma entrevista do Kanye West, na qual ele disse que estava gravando os vocais para o álbum dele pelo Voice Memo (app do iPhone).

Gravei licks de guitarra no meu iPhone e enviei para os engenheiros e produtores. Então, esse álbum se tornou não tanto como “eu vou fazer um disco”, mas foi mesmo uma salvação durante esses dias de ansiedade, depressão e medo.

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Pensava em como manter a minha avó viva, tentando não deixar as crianças enloquecidas. Foi uma maneira de fugir entre 30 a 45 minutos por dia para ser uma pessoa criativa e, em seguida, perdido quase como uma roleta russa…

Eu vinha com alguns riffs e gravava no meu celular. Logo depois, pensava com quem eu poderia fazer uma música, quem poderia ser perfeito para esse disco, com quem seria divertido colaborar comigo… Ou quem iria me jogar para cima e fazer o dia parecer menos desesperador. E essa foi a gênese do álbum The Atlas Underground Fire.

Parceria com Chris Stapleton em The War Inside

Eu conheci o Chris Stapleton no tributo ao Chris Cornell alguns anos atrás. Ele é uma pessoa adorável e nós trocamos números, e eu queria trabalhar com ele. Queria ver onde isso iria dar. De fato, ele foi um dos primeiros colaboradores que trabalhei neste disco.

Nós fizemos uma ligação pelo Zoom com a guitarra nas mãos. A intenção era escrever uma música, mas nós não escrevemos uma música. Ao invés disso, nós desabafamos sobre como eram os dias tentando não enlouquecer, tentando lembrar como era ser um músico e como nossas famílias estavam, o estresse de ser pai, filho, marido etc…

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Às vezes era como uma sessão de terapia de duas horas, antes mesmo de tocar uma nota da guitarra. E esse bate-papo virou a temática de fundo da música War Inside. Então, mesmo antes de partilhar acordes, licks (frases de guitarra) e outras coisas… nas entrelinhas, o que nós estávamos conversando durante horas virou a base da música.

Let’s Get The Party Started, com Bring Me The Horizon

Um dos meus fortes é que realmente amo coerência. Não me importa se é um jogo de futebol de crianças ou um álbum com diversos artistas. Olive (vocal do Bring Me The Horizon) está no Brasil, Jordan (guitarrista do BMTH) está no Reino Unido e eu aqui. É um amigo por correspondência do rock. Amigos por correspondência de três países.

É um disco solo sob uma visão de arte onde escolhi os colaboradores. Os colaboradores têm a minha guitarra como voz-guia para cada faixa. Mas também é um disco colaborativo.

Cada uma das canções depende exclusivamente da química entre eu e o artista com o qual estou colaborando. Em resumo, não é algo ditatorial. É sobre deixar levar esse tipo de personalidade que devo ter muita e fazer uma imersão minha em qualquer situação que surgir. O que me fez chegar no Bring me the Horizon, por exemplo.

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Eu tinha um monte de riffs que mandei para eles. Eles tinham ideias firmes sobre a estrutura da música… Nós conversamos sobre qual tipo de solo de guitarra deveria ter… Dei vários exemplos. Trocando ideias que iam e voltavam. E permitindo que esse processo tomasse seu curso, que cada canção tivesse liberdade de se tornar o que ela viria a ser. Enquanto ao mesmo tempo, no geral, manter a missão de ser um disco do Tom Morello.

Descoberta de novos artistas

Alguns dos artistas deste disco são amigos antigos, como Bruce Springsteen e Eddie Vedder. Trabalhei com o Phantogram antes, o Dennis do Refused é um camarada. Mas tinham dias que eu vinha aqui e gravava no meu iPhone alguns licks de guitarra e pensava: Com quem quero fazer um som hoje?

Ligo para um amigo que tem um gosto musical mais legal que o meu e pergunto qual foi a última melhor música que ele escutou de um artista que nunca ouvi falar? Foi assim que descobri Phem, sabe? E eu pensei, ela é fantástica. Entrei em contato com ela. Não penso que ela já tivesse nascido quando saiu o último álbum do Rage Against The Machine… e eu apenas falei, o que você acha? Eu sou o Tom Morello, não sei se você já ouviu falar de mim, mas você quer fazer uma música? E ela, sim, claro!

Sama’ Abdulhadi é uma jovem palestina e DJ. Ouvi falar dela no New York Times e também entrei em contato com ela. Ela é muito inspiradora. Nós gravamos a música e ela fez a mixagem da música durante o bombardeio de Israel na Palestina. A existência dela é uma coisa inspiradora, e pegar esse tipo de gênero musical e fazer isso em um lugar do mundo em que não há tantos avanços tecnológicos.

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E por último, Grandson é puro rap. Os artistas jovens estão arrebentando na música, são muito abertos em pegar os meus riffs, do Led Zeppelin, do Black Sabbath e ver qual poderia ser o futuro desses riffs.

Parceria com Grandson

Sou um grande fã do Grandson. Uns anos atrás ele me pediu para remixar um som dele, Blood in The Water. Foi assim que nos conhecemos. Em um ano que o rock n’ roll não está no topo das paradas, ele é um artista que abraça o rock n’ roll e, muito como eu, insiste que ele tem um futuro, não somente um passado.

Ele também tem uma capacidade intelectual e uma aspiração pelas injustiças sociais, o que é inspirador ver em uma geração mais nova.

Hold The Line, na realidade, é a única música que foi gravada depois da pandemia. Então, essa foi a única música gravada no mesmo espaço que eu. Foi a única guitarra não gravada pelo Voice Memo. Isso é o que tem de único sobre essa música.

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Mas para mim, essa música é um pilar importante no disco. Ela detém e faz uma ligação com os último 19 discos que fiz… Nós queríamos começar com uma roda punk. Não só uma roda punk no festival, mas uma roda punk na sua mente também.

Terapia sonora com o álbum

Para mim tem três vias importantes no disco. Uma que você talvez tenha imaginado como seria um disco do Tom Morello sobre injustiças, como a música Hold The Line, com Grandson, e The Achilles List, com o Damian Marley.

Mas tem músicas que são mais introspectivas, que refletem autenticamente a ansiedade desse tempo, como The War Inside, com Chris Stapleton. Let’s Get The Party Started, com o Bring Me The Horizon, não é só sobre uma festa, é sobre perder a sanidade, indo na direção oposta de farrear até morrer, possivelmente. Driving to Texas, a música com Phantogram, é como ruminações sombrias da alma.

E a terceira seção é tão importante quanto. É a parte com as músicas instrumentais do disco. O álbum começa Harlem Hellfighter e termina com uma das músicas mais quentes, On The Shore Of Eternity e Charmed I’m Sure. Essas músicas eram muito importantes para o que queria me assegurar que fiz isso direito durante este tempo em que estava completamente sozinho. Era desafiado pelas coisas que aconteciam em casa e precisava manter todos bem.

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Eu sou um guitarrista, continuo conseguindo dar a melhor performance para criar, para ir além dos limites de como um instrumento pode soar. Insistir na guitarra que não tem só passado, tem futuro e está aqui.

Queria fazer músicas que não tivessem nenhuma letra, que fossem apenas sobre a autoridade da guitarra neste momento em que muita coisa parecia incerta, mas uma coisa que poderia ter certeza é que usei muitos os pedais nessas guitarras e não tenho medo de me exibir com isso.

Tecnologia na música

Como eu lido com tecnologia? Eu a ignoro totalmente. A minha guitarra, meus pedais de efeito e amplificador têm sido os mesmos desde 1988. Não tem nenhuma tecnologia nova, basicamente tomei a decisão há mais de três décadas. Esse é o meu equipamento e vou me concentrar na minha imaginação, criatividade para tocar esse equipamento, um alfabeto sonoro e meio que a minha própria voz nele, minha própria língua pelo instrumento, que parece intrínseco para mim.

Eu quis uma escolha consciente de que a tecnologia não faria parte do meu processo criativo. Tenho um engenheiro que fica aqui e lida com isso. Novos pedais de guitarra são lançados o tempo todo, mas os ignoro frequentemente.

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Uso a mesma porcaria que usava há 30 anos para continuar achando novas inspirações, tocando até tirar todo o som de cada um.

Admiração por guitarristas que utilizam a tecnologia

Claro! Absolutamente… Eddie (Van Halen), por exemplo, é um dos meus guitarristas favoritos. Eu sei que o Jack White usa uma multiplicidade de pedais… Muse é outra banda.

Eu não tenho nada contra. Mas como encontro minha voz no instrumento, não é uma constante busca por sons na tecnologia… é tirado da tecnologia que tenho e encontro todos os sons que existem nele.

Estilo próprio de tocar guitarra

Acho que todo mundo que segura um instrumento ou microfone, pode ser dividido em duas categorias: músicos e artistas. Às vezes eles se sobrepõem, às vezes não. Meus primeiros dez anos tocando guitarra eram sobre um músico muito habilidoso tecnicamente. Mas eu não tinha minha voz no instrumento. Era incapaz de criar músicas que amava. Eu não estava criando arte que ia além do limite do que alguém já tinha ouvido antes.

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Eu podia tocar um riff mirabolante do Yngwie Malmsteen. Foi realmente no início do RATM que comecei a me identificar como o DJ da banda. E fiquei ensaiando escalas oito horas por dia. E, de repente, estava praticando barulhos de helicóptero oito horas por dia, fazendo scratchs na guitarra e barulhos de animais.

Eu estava construindo um vocabulário que sentia que era meu. Era capaz de escrever com aquele vocabulário. Sons e riffs que realmente os sentia, eu estava amando. Tinha agora um caminho para percorrer, uma vez que tinha essa estrada, não tinha como parar. Ainda estou descobrindo novas poesias sonoras.

Política brasileira

Hoje não estou completamente a par do que está acontecendo na política brasileira, mas me considero um internacionalista. Ou seja, não considero apenas o que está acontecendo em meu país, mas o que está acontecendo globalmente, especialmente sendo um músico que viaja muito e considerando que tenho amigos e fãs no em vários lugares do mundo.

Vejo que há paralelos entre o que acontece no Brasil, EUA e em alguns países europeus, onde esse liberalismo global e a maneira como essa oligarquia capitalista, pelo menos no meu país, é alimentada tanto pelos Clintons, Obamas e Bushes, que abandonaram grande parte de trabalhadores da classe média. Eles sentem que não há mais investimentos e não se sentem representados pelas instituições governamentais.

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Posteriormente são substituídos por vigaristas, como seu presidente (Bolsonaro) e Trump, que usam as mais antigas táticas, dividindo as regras, como se o problema não fosse a rápida exploração capitalista. Os problemas para eles são os muçulmanos, os mexicanos, a Esquerda.

Como se pode combater isso é cada um usando seu talento e sua habilidade. Eu faço através da música, é nossa responsabilidade fazer através de nosso talento, seja como músico, jornalista, encanador, guitarrista ou estudante.

É dizer a verdade através do que fazemos, esclarecer as falsas narrativas, sejam do governo ou do setor corporativo, a fim de fornecer ideias múltiplas no mercado cultural para as pessoas aumentarem sua capacidade de decisão. Não acatar o que lhe é apresentado.

Mensagem nas músicas

Primeiramente, eu não venho escondendo mensagens sutilmente por todos esses anos. Sempre me preocupei com os bonés, camisetas, com o que estava escrito na frente e atrás da minha guitarra, como se fossem telas adicionais para me expressar.

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Sempre me inspirei no que acontecia no final dos anos 1960, onde tinha arte em qualquer canto da cidade. A música pode ser política, sem nenhuma letra… por um tipo de desafio, sobre as convenções musicais do dia. Você pode fazer uma afirmação musical com o que está na parte de trás da sua guitarra, sem tocar uma única nota.

Ter uma existência artística, não somente como guitarrista, mas um artista que se encontra em fases e diferentes maneiras de expressar pontos de vista e não só para entreter o público, mas confrontá-lo também com um ponto de vista que eles são forçados a lidar com isso.

As pessoas encontram várias desculpas para falar que não sabem do que estou falando, e geralmente o fazem. Não tenho um problema com isso, porque fala com o poder da música.

Rage Against the Machine

Rage Against the Machine, por exemplo, é uma banda que tem fãs que passam do espectro político, porque a música é tão atraente que você pode amá-la, sem saber sobre o que ela fala. Isso significa que terá um subgrupo diametralmente político, com uma postura intencional de tapar os ouvidos, mas também significa que não está apenas pregando para um coro. Está pregando para um subgrupo que nunca foi confrontado antes por esses ideais em músicas.

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Você pode concordar com elas, você pode brigar com elas e ver o que você acha delas… você pode decidir ignorá-las. Mas a música é tão arrebatadora que você está com ela em um lugar e tem que lidar com ela de um jeito ou de outro. Não é atraente você fazer uma palestra política e colocar uma batida de fundo. Criar um ótimo rock n roll com conteúdo, como um cavalo de tróia com conteúdo, isso pra mim é atraente.

Fãs que reclamam de posições políticas dos artistas

Primeiramente, bom para ele (Roger Waters ter perdido fãs no Brasil por criticar Bolsonaro). Não somente concordo com ele, mas se você é um artista que nega o que realmente sente em nome de um jogo comercial, bem, você será um artista que eu não admiro.

Particularmente, é um nível de inferno para aqueles que negam a própria essência; eles veem e sentem a injustiça, reclamam e descrevem a injustiça nos shows, mas depois ficam preocupados em perder fãs e fazer menos dinheiro. Esse tipo (de artista) faria me sentir o pior tipo de se vender.

Estive em uma banda antes do RATM, mas ela não era muito politizada. E essa banda fez o que todo mundo pediu para fazer. Nós queríamos ser estrelas do rock. Seguramente esses especialistas devem saber como fazer isso, porque eles ajudaram outros a chegar lá. No entanto, nós fizemos um disco que não vendeu nada. Eles me dispensaram aos 27 anos. Fomos jogados na sarjeta, nunca seria um rockstar, nunca faria discos.

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Então fiz um juramento a mim mesmo: nunca mais tocaria uma nota musical que não acreditasse. E tenho feito isso ao longo desses 20 discos e shows. E às vezes os discos vendem milhões, mas às vezes vendem centenas ou milhares.

A única maneira que conheço de fazer cada show é sendo completamente sem medo de ser autêntico. Tocando e levando em consideração cada alma naquele espaço, naquela noite, é o único jeito que quero fazer. E se as pessoas se ofenderem, foda-se. Isso é ótimo para o artista. Se você é um artista que faz música para todos concordarem, provavelmente será uma merda.

Fãs brasileiros

Quero fazer um agradecimento franco e sincero aos amigos, fãs e camaradas, especialmente camaradas, do Brasil ao longo desses 30 anos. Demorou muitos anos para eu e minha banda tocarmos ai… Foi tão incrível na primeira vez que estive de volta várias vezes. Quero dizer que um dos meus momentos favoritos no palco foi no Brasil. E eu não vejo a hora de voltar para o Brasil. Um sincero agradecimento a todos.

Entrevista, tradução e texto por: Isabela Amorim, Christina Amorim, Lucas Krempel. Agradecimentos: Matheus Krempel, Roberto Gasparro e Daniel Boch.

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